156 milhões de eleitores escolhem entre o "22" e "13" na corrida ao Palácio do Planalto. Insultos e ameaças entre candidatos marcaram um mês e meio de campanha. Líder do PT lidera todas as sondagens e tem a perspetiva de ser eleito já este domingo, à primeira volta.
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Há onze códigos eletrónicos para outros tantos candidatos às eleições presidenciais, mas é um só duelo, o de todos os antagonismos brasileiros, que concita as atenções da América Latina e do Mundo: de um lado, Jair Bolsonaro, presidente em exercício; do outro, Lula da Silva, favorito de todas sondagens e prometido à vitória, já este domingo ou à segunda volta (dia 30), o que nunca deixará, seja em que altura for, de constituir uma certa desforra deste veterano (77 anos a 27 de outubro) da Esquerda, após os escândalos de corrupção que o impediram de comparecer às eleições de 2018.
Aos 156.454.011 votantes recenseados não caberá apenas escolher o próximo inquilino do Palácio do Planalto, os governadores e as assembleias dos 27 Estados Federais e um terço dos 81 senadores. O encargo do eleitorado brasileiro está na opção entre duas propostas completamente antagónicas: uma à direita, à extrema-direita do bolsonarismo, ultraconservadora, misógina e também avessa às siglas IVG, da interrupção voluntária de gravidez, e LGBT+, "o kit gay", como lhe chama o ex-militar que governa o país há quatro anos, com o registo de índices de desenvolvimento em evidente decréscimo e ainda marcado por uma gestão deplorável da covid-19 (650 mil mortos); a outra, à esquerda, igualmente manchada pelos pecados de corrupção, mas que se reclama progressista, defensora dos direitos das mulheres e das comunidades homossexuais e com a primazia nos encargos sociais (educação, saúde, assistência familiar), num país onde 33 milhões de pessoas (15% da população) se encontram em "precariedade alimentar grave" e 32 milhões em "insegurança moderada", segundo a Rede Brasileira de Investigação e Soberania Alimentar (estes números vão de encontro ao último relatório da ONU, datado de julho, que indica a mesma realidade para 60 milhões de brasileiros, ou seja, um agravamento de 63% em apenas uma década).
Minas marca o ritmo
Lula é dado como vencedor em 14 dos 27 Estados, sobretudo nos dois com os maiores círculos eleitorais, o de São Paulo e o do Minas Gerais. Este imenso território do centro do país é mesmo um indicador infalível: segundo as estatísticas, pelo menos desde 1950, quem ganha Minas Gerais ganha as presidenciais. Bolsonaro, por sua vez, domina em sete estados, no sul e no nordeste agrícola, onde conta com o apoio do setor do "agronegócio", acusado da desflorestação da Amazónia e do Pantanal. Noutros seis Estados projeta-se um empate técnico.
Após 40 dias de debates, comícios e arruadas - que todos os candidatos, sobretudo os dois favoritos, percorreram com coletes antibala... -, eis, então, chegado o grande momento da jovem democracia brasileira, instalada em 1988, após duas décadas de ditadura militar. Para ser eleito à primeira volta, como apontam diversas sondagens, Lula precisa de 50%+1 voto, a que pode chegar pela própria reserva (48% a 52%, segundo o Instituto Datafolha) ou na soma do "voto útil" que o líder do PT nunca deixou de seduzir, sobretudo junto do eleitorado de Ciro Gomes, candidato dito de centro-esquerda, terceiro das projeções, com 7% das intenções de votos. Outra bolsa de potenciais eleitores de Lula situa-se na candidatura de Simone Tebet, senadora de Direita (5%).
"Ladrão! Incompetente!"
A avaliar pelo debate televisivo de quinta-feira, que encerrou a campanha, não se está a ver como Brasil possa suportar mais um mês de confronto até à segunda volta, tal o nível de antagonismo entre Bolsonaro e Lula. Milhões de brasileiros assistiram a um duelo de insultos entre os candidatos: "Ladrão!", repetiu Bolsonaro, vezes sem conta, a recordar os escândalos de corrupção do caso Petrobras, que levou à detenção do antigo metalúrgico e sindicalista, encarcerado 18 meses, entre 2018 e 2019, antes de o Supremo Tribunal o ter libertado, por vício de forma processual; "Incompetente!", ripostou Lula, a relembrar os resultados desastrosos da economia brasileira nos últimos anos e também os inquéritos judiciais que envolvem os filhos do presidente em diversos casos de alegado desvio de fundos públicos.
A divergência ultrapassou todos os limites quando Bolsonaro voltou, pela enésima vez, a suspeitar da fiabilidade do sistema eletrónico, considerando que se presta "a todas as fraudes". O ex-capitão do Exército passou toda a campanha a insistir no mesmo e juntou à causa altas patentes militares, ao mesmo tempo que, quase explicitamente, ameaçava com um golpe militar no caso de os resultados não lhe serem favoráveis.
"Problema grave de segurança nacional"
A perspetiva de um remake tropical do ataque ao Capitólio é, todavia, muito vaga. A maioria dos observadores diz que a tropa não seguirá Bolsonaro, até porque a atual conjuntura é muito diferente da de 1964. "O golpe militar desse ano, a que se seguiram 21 anos de ditadura brutal, foi apoiado pela classe média, pelos patrões, pela imprensa e pelos Estados Unidos. Hoje, nenhum destes atores apoiaria um golpe de Estado", afirma Luís Roberto Barroso, juiz do Supremo Tribunal Federal e antigo presidente da Comissão Eleitoral, citado pela AFP.
Há gente mais cética: o Instituto Sou da Paz observa que 1300 armas foram vendidas diariamente a particulares durante a legislatura de Bolsonaro e que há mais armamento nas ruas do que nas arrecadações das polícias, o que levanta "um problema grave de segurança nacional".
O Brasil e o mundo não terão de esperar muito para verificar as reações aos resultados das eleições: apesar da imensidão do território, o sistema eletrónico de votação apurará as contas todas em cerca de duas horas após o encerramento das urnas, às 17 horas de Brasília, já na madrugada de segunda-feira em Portugal continental.