É um novo e negro recorde diário desde o início da pandemia: o Brasil registou 615 mortes e 10 503 novos infetados por coronavírus em 24 horas. São dados do Ministério da Saúde, mas os números podem pecar por defeito.
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"O que está a suceder no meu país é uma enorme subnotificação de casos", revelou há dias Isabella Rêllo, médica intensivista que trabalha no Rio de Janeiro, numa mensagem que desafia os números oficiais e que foi profusamente partilhada no Facebook. "Há muitos mais casos!", exclamou.
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Também esta semana o "The Wall Street Journal" escreveu: "O Brasil já é o epicentro global do coronavírus" e "um estudo concluiu que pode ter mais casos de covid-19 do que os EUA", que tem já 75 468 mortos.
No total, o país presidido pelo negacionista Jair Bolsonaro soma agora, nos dados governamentais, 8536 vítimas mortais e 125 218 pessoas infetadas por covid-19, a doença respiratória aguda do coronavírus.
Mas ainda anteontem, dia do inquietante pico estatístico, o presidente de extrema-direita eleito em outubro de 2018 tentava contrariar a dura realidade e dizia: "Para o Brasil, o pior já passou, só peço a Deus que isto seja verdade". Mas não é: na última contagem, o aumento no número de mortes no Brasil foi de 7,7%, e no número de infetados, o crescimento atingiu os 9%.
grave falta de testes
País de 209 milhões de habitantes, o Brasil carece de muito mais testes à doença: o total de exames feitos aos brasileiros é de 339 552, número dramaticamente escasso se comparado com Portugal, que tem 20 vezes menos habitantes mas já fez mais testes (485 952).
A posição do Brasil no quadro negro da pandemia estará ancorada na falta governamental de recursos aplicados à deteção da doença. Olhando o rácio de testes por milhão de habitantes, percebemos que o caso é calamitoso: entre os 182 países que fornecem dados sobre a covid-19, o Brasil está em 126.0 lugar, lá para o fundo, com apenas 1597 testes por milhão de habitantes (Portugal faz 47 mil por milhão e está em 15.0 lugar).
estados em emergência
O aumento cataclísmico de casos atira o Brasil para 9.0 lugar nos países com maior número de mortos, tabela liderada pelos EUA (o país de Trump registou ontem o maior número de novos casos no mundo: 17.859 em 24 horas), seguindo-se, no top 5, Espanha, Itália, Reino Unido e Rússia.
Apesar daqueles números negros, no Brasil, uma república federativa de 26 estados, só três desses estados aplicam a obrigação de confinamento aos seus cidadãos. O primeiro foi adotado em São Luís, capital do Maranhão, Nordeste, que desde terça-feira implementou o "lockdown" após o crescente número de casos, que ali superou 4500 infeções e 270 mortes.
Também a cidade de Fortaleza, capital do Ceará, anunciou que entra hoje em confinamento obrigatório, com bloqueio de serviços não essenciais e circulação condicionada de pessoas (o Ceará conta 11 470 infetados e 795 mortos). O outro estado em quarentena é o Pará (4472 casos, 369 mortos declarados), que colocou ontem dez cidades, incluindo a capital, Belém, em confinamento compulsório. "As pessoas precisam mesmo de ter medo deste vírus", disse Helena Brígido, vice-presidente da sociedade de doenças infecciosas do estado, citada pelo diário "The Guardian". A médica descreveu hospitais que lutam para lidar com a avalanche de casos, enquanto multidões se aglomeram em frente aos bancos para receber os seus subsídios de emergência. "Os brasileiros precisam mesmo de acordar", disse a alarmada especialista.