Com menos holofotes, grupo de economias emergentes reúne-se sem Vladimir Putin e Xi Jinping.
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O Rio de Janeiro recebe, entre hoje e amanhã, a cimeira dos BRICS. Com países envolvidos em conflitos e um líder da Casa Branca a exercer pressão através de uma guerra comercial, o grupo de economias emergentes, que nos dois últimos anos duplicou a quantidade de estados-membros, tenta não passar a imagem de que está a rivalizar com o Ocidente.
As prioridades propostas por Brasília não surpreendem, na visão de Ana Paula Costa, investigadora da Universidade Nova de Lisboa. “Refletem a aposta brasileira num BRICS mais construtivo, institucional e menos divergentes entre os membros”, afirma ao JN a especialista em Relações Internacionais.
Independência do dólar
Uma questão divisiva é a criação de uma moeda dos BRICS, o que poderia ser uma forma de evitar o dólar no comércio. Tal ação irritaria o Governo Trump, com o presidente norte-americano já tendo ameaçado com uma tarifa de 100% para os “países hostis” que tentassem “substituir o poderoso dólar dos EUA”.
A Índia e o Brasil opõem-se a uma moeda do bloco, com uma fonte do Executivo brasileiro, citada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, a ver ainda como limitado o uso das moedas nacionais nas trocas comerciais entre os estados-membros. Segundo o diário, Brasília e Nova Deli têm trabalhado para diminuir o peso de uma menção a uma “plataforma de investimentos” na declaração final.
Quem é favorável ao fortalecimento de tal mecanismo é a Rússia e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, Dilma Rousseff, reconduzida ao cargo para um segundo mandato com o apoio russo. Esta medida poderá ser vista pela União Europeia (UE) como uma forma de contornar as sanções contra Moscovo.
Para Costa, “a questão de uma moeda dos BRICS está relacionada aos diferentes graus de estabilidade macroeconómica entre os países”. “O Brasil tem buscado um equilíbrio entre o seu papel nos BRICS e as suas boas relações com o Ocidente, seja com os EUA ou com a UE. Há sim uma cautela quanto ao risco de perder acesso a mercados, financiamentos ou gerar desconfiança em investidores internacionais”, frisa a também presidente da Casa do Brasil de Lisboa. “Até porque o comércio entre os BRICS ainda não é suficientemente forte ou equilibrado para justificar um esforço complexo de desdolarização ou criação de uma moeda”, pontua.
Putin e Xi ausentes
Como já esperado, a cimeira não contará com a presença do presidente russo, Vladimir Putin, que tem um mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional. A ausência que surpreendeu nas últimas semanas foi a de Xi Jinping, que não comparecerá pela primeira vez a tal evento. Pequim estará representada pelo primeiro-ministro, Li Qiang.
O motivo ausência de Xi, que oficialmente teve problemas de agenda, é especulado – desde os vários encontros recentes entre o líder chinês e Lula da Silva até ao facto de que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, foi convidado à Brasília após a cimeira no Rio de Janeiro. “Não há indícios de um esfriar nas relações bilaterais entre China e Brasil, pelo contrário. A ausência da China tem mais a ver com o contexto da política interna chinesa do que como um sinal dirigido ao Brasil”, acredita Costa.
O Irão atualmente está com foco na reconstrução após a Guerra de 12 Dias com Israel e os EUA. A cientista política espera que Teerão utilizará a ocasião “para criticar as sanções ocidentais e propor maior cooperação Sul-Sul”, além de “pedir apoio político, ainda que não abertamente”. Do Brasil, a investigadora crê que novamente haverá “posições mais cautelosas”.
Temas
Cooperação em saúde
Brasília quer uma aliança global para erradicar doenças tropicais e “socialmente determinadas” pela desigualdade económica e social.
Comércio
Espera-se um texto crítico ao regime de tarifas de Trump, mas sem citar diretamente os EUA
Mudanças do clima
A discussão é em torno do financiamento por parte das nações mais ricas, que emitiram mais gases do efeito estufa, para a transição dos países menos desenvolvidos. O Brasil receberá a conferência do clima, a COP30, em novembro.
Governança da IA
O Brasil defende diretrizes comuns sobre como lidar com a inteligência artificial (IA), evitando a dominância das grandes tecnológicas.
Multilateralismo
Brasília há muito tempo defende a reforma de instituições multilaterais, nomeadamente o Conselho de Segurança da ONU, paralisado em casos como o conflito israelo-palestiniano.
Instituições
Com a expansão dos BRICS, o Brasil quer desenvolver mais as instituições do grupo.