Milhares de pessoas protestaram, esta segunda-feira, na Cidade da Praia contra o aumento salarial de 64% da classe política, aprovado por unanimidade no Parlamento de Cabo Verde a 25 de março passado.
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O protesto, também realizado em várias cidades do arquipélago, foi convocado através das redes sociais e reuniu na Cidade da Praia cerca de dez mil pessoas, segundo a organização, mas a polícia calculou a participação de menos de cinco mil.
Na capital, os manifestantes, maioritariamente jovens, juntaram-se defronte do Parlamento e gritaram palavras de ordem hostis aos deputados, extensivas ao Governo, e exibiram cartazes a apelar ao Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, para que vete o diploma.
Em declarações à Lusa, Rony Moreira, presidente da organização Mobilização para Ação Cívica (MAC), que promoveu o protesto, considerou o aumento salarial "imoral" e que os deputados têm "falta de ética, muita arrogância, egoísmo e pouca sensibilidade social".
"O objetivo da manifestação era trazer aqui o povo para mostrar ao poder político que o povo é o poder. Há pessoas a ganhar 11.000 escudos [100 euros], chefes de família, com problemas de habitação, de saúde, de educação dos filhos. Não conseguem, com 11 contos. Os deputados aqui querem 20.000 escudos só de subsídios, que representa mais de uma vez e meia o salário mínimo nacional. É muito", afirmou.
Segundo Rony Moreira, o protesto constitui um "sinal de alerta claro", sobretudo por parte da juventude cabo-verdiana, a mais afetada pelo desemprego (cerca de 40%), percentagem quase três vezes superior à média nacional (15,8%).
O mesmo responsável sublinhou que "todos os problemas do país estão relacionados com a juventude: segurança, emprego e o próprio futuro", opinião corroborada pelos vários presentes na ação de protesto entrevistados pela Lusa.
"Traição" foi a palavra escolhida por Francisco Duarte, arquiteto e professor universitário, para qualificar a decisão dos 72 deputados, considerando que o povo cabo-verdiano irá, em 2016, nas eleições legislativas, autárquicas e presidenciais, dizer de sua justiça.
"Sou professor universitário e dói-me quando, no final do ano, vejo metade da turma a abandonar a universidade porque os pais não têm capacidade financeira. O 'timing' do aumento é errado", sublinhou, manifestando-se "defraudado" com o voto dado nas legislativas.
Joaquim Mendes, reformado da administração pública, afirmou ter chegado a hora de dizer basta.
"Participei na revolução de 1974 contra o colonialismo português e agora estou a manifestar-me contra os senhores cabo-verdianos, que já não são portugueses, não são estrangeiros, que querem meter a mão nos nossos bolsos", disse.
Amílcar Batista, brigadeiro das Forças Armadas já reformado, disse ter chegado a hora de a classe política perceber que "é o povo quem mais ordena e que não está contente" com os aumentos dos políticos.
Comum foi o apelo ao veto por parte do chefe de Estado cabo-verdiano.
"Esperamos que vete. O Presidente não é cego nem surdo. Se não vetar, espero que a população reaja. O objetivo é fazer mais protestos. Queremos uma outra democracia, participativa e não representativa, em que uma classe obtém quase tudo e outra não tem quase nada", concluiu o presidente do MAC.