Cardeais começam a decidir o futuro da Igreja condicionado pelo legado de Francisco
Reuniões para escolher o novo Papa arrancam no Vaticano. Divisões podem vir ao de cima, com a decisão a adivinhar-se imprevisível.
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Cento e trinta três cardeais, quatro deles portugueses, começam hoje as votações das quais sairá o nome do 267.° Papa da Igreja Católica Apostólica Romana. A Capela Sistina, no Vaticano, acolhe a reunião secreta, de onde apenas transpirará informação para o exterior através de fumo saído de uma chaminé: negro enquanto não houver decisão, branco quando se fizer maioria. Os resultados são considerados uma incógnita, com especialistas a apontarem para uma divisão entre os setores mais próximos de Francisco e os favoráveis a uma abordagem conservadora. O encontro de equilíbrios pode ser a chave para solucionar o que parece à partida insanável.
“Será uma grande responsabilidade escolher a melhor pessoa para conduzir a Igreja depois de um Papa tão marcante como Francisco, que deixa uma herança que jamais deverá ser encarada como um peso”, considera o teólogo Jorge Cunha. Um processo que nem sempre dependerá de simples fatores racionais dos cardeais. “Há perspetivas demasiado humanas em causa, como as que dizem respeito às opções próprias e às afirmações de vontade, e até de poder, dos eleitores, mas também existe um incontrolável e inexplicável lado transcendental”, explica o também professor da Universidade Católica. “Trata-se de um processo que envolve demasiada responsabilidade”, resume.
Para D. Sérgio Dinis, bispo das Forças Armadas e da Segurança, “a questão não está no nome” do próximo Papa, mas no facto “de a Igreja ter sempre seguido uma via oportuna” em diferentes momentos da História recente. “Agora não será diferente”, prevê. E nem mesmo o confronto entre duas ou mais visões antagónicas da política católica afetará o processo. “As divisões que possam acontecer no conclave serão certamente dirimidas em nome do único interesse comum: o de prosseguir o bom trabalho de Francisco”, assinala.
“Luta contra os abusos”
“Tendo em atenção aquilo que os cardeais já foram dizendo nas reuniões de preparação do conclave, deverá ser eleito um Papa na continuidade dos anteriores pontificados, profundamente enraizado na fidelidade à renovação”, confia o padre Manuel Barbosa, secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. “Os principais desafios passarão pela luta contra os abusos, a transparência económica, a reorganização da cúria, a sinodalidade, o compromisso pela paz justa e duradoura e o cuidado da criação”, enumera.
Já Jorge Cunha não prevê um próximo Sumo Pontífice “demasiado disruptivo” em relação ao antecessor. “Será difícil a opção recair sobre um cardeal asiático ou africano, por exemplo. Depois de um pontificado inovador, a tendência volta-se para um moderado, que não rompa com o que foi o percurso de Francisco, mas que também não volte atrás com tudo o que ele deixou de muito positivo no papel da Igreja Católica no que diz respeito à ligação com a sociedade”, antecipa. “Não acredito num regresso ao passado, a Igreja tem-se adaptado sempre às circunstâncias”, sublinha. O bispo D. Sérgio Dinis não vai tão longe e até considera “natural” que existam dentro do Colégio Cardinalício diferentes perspetivas e visões, discordando que tal signifique fragilidade.
“Os ritmos são próprios. Há quem ande um pouco mais à frente, há quem fique mais para trás. O importante é encontrar pontos de encontro”, refere D. Sérgio Dinis. Que vê no próximo Papa alguém com capacidade para “implementar o previsto no Concílio Vaticano II”. Ou seja, uma instituição “de participação, de comunhão e de missão”, tal como “ficou marca bem vincada por Francisco” e que “certamente será seguida”.