Acesso a recibos de cartões de crédito permitiu identificar 29 pessoas que teriam consumido sardinhas estragadas num restaurante de Bordéus, em França. Vítimas foram alertadas e hospitalizadas antes de desenvolverem sintomas graves de botulismo. Caso aconteceu em setembro e levou à morte de uma mulher de 32 anos.
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A 10 de setembro, as autoridades de saúde pública de França deram o alerta para um possível surto alimentar depois de o hospital de Bordéus ter identificado três casos suspeitos de botulismo. As vítimas partilhavam o facto de terem estado a comer, dias antes, no mesmo restaurante: o Tchin Tchin Wine Bar, localizado às margens do rio Garonne, no coração da cidade. O caso suscitou a necessidade de se encontrar todos os clientes na mesma situação de modo a alertá-los para que procurassem ajuda médica o mais rápido possível. A solução passou por, dentro do que está previsto na lei nacional, usar recibos de cartões de crédito para se chegar aos dados das potenciais vítimas.
A análise aos recibos de cartões de crédito permitiu identificar as pessoas que estiveram no restaurante entre 4 e 10 de setembro, bem como perceber em que mesas tinham sido consumidas as sardinhas em conserva que estiveram na origem do surto. Com esta informação – que apenas deixou de fora uma pequena fatia de clientes que pagou as refeições em dinheiro, mas que não terá sido afetada –, as autoridades conseguiram contactar 29 potenciais vítimas de oito nacionalidades diferentes.
De acordo com o "El País", que consultou um estudo científico sobre este caso publicado na Eurosurveillance, 12 pessoas foram identificadas e hospitalizadas a tempo de se reverter um quadro de intoxicação alimentar que poderia levar à morte, ainda assim, algumas vítimas precisaram de ser ventiladas. Outros 14 indíviduos foram dados como fora de perigo, uma vez que não chegaram a experimentar as sardinhas. No entanto, para os restantes três consumidores, as medidas céleres aplicadas pelas autoridades francesas terão sido uma verdadeira tábua de salvação.
Os três cidadãos britânicos começaram a sentir-se mal quando já estavam no país de origem, mas não faziam ideia da razão que estaria por trás da indisposição. Após serem notificados pelas autoridades francesas, foram até um hospital, onde lhes foi administrado um antídoto que permitiu reverter uma situação mais grave. A mesma sorte não teve uma mulher de 32 anos, que acabou por falecer por não ter sido contactada atempadamente.
Mau cheiro e sabor intenso
As sardinhas contaminadas foram marinadas em azeite e ervas aromáticas no próprio estabelecimento no dia 1 de setembro, sendo servidas aos clientes até ao dia 10, porém, surgiram vários relatos que dão conta de um mau cheiro e sabor intenso nos alimentos em causa. No artigo científico, citado pelo jornal espanhol, Emilio Salgado, do Serviço de Toxicologia do Serviço de Urgência do Hospital Clínic, que, em Barcelona, tratou um dos infetados, disse acreditar que este facto terá feito com que “muitos clientes comessem apenas uma pequena quantidade do prato ou se recusassem a experimentá-lo, o que certamente evitou uma grande tragédia”.
O botulismo é uma doença rara, mas grave e potencialmente mortal, causada pela bactéria Clostridium botulinum. Este micróbio produz esporos que libertam substâncias tóxicas (que segundo a Organização Mundial de Saúde são as mais letais conhecidas na Medicina) para o sistema nervoso, provocando um quadro de paralisia dos músculos, que pode levar a insuficiência respiratória e eventualmente à morte.
Os sintomas de botulismo começam a aparecer entre 12 e 36 horas após o consumo de alimentos contaminados, sendo que as primeiras horas de cuidados médicos são essenciais na evolução do quadro do paciente. A taxa de mortalidade da doença relatada na literatura científica varia entre 3% e 10%.
Os autores do estudo publicado na Eurosurveillance destacam a importância que a utilização das novas tecnologias pode ter numa situação de crise de saúde pública, mas também assinalam questões éticas e questionam os limites que as leis de proteção de dados impõem nestes casos.
"Dada a gravidade do botulismo, as empresas de cartões de crédito cooperaram plenamente com as autoridades de saúde e falaram com os clientes identificados para obter a sua aprovação antes de cederem os contactos”, refere o artigo. A eficácia da operação "permitiu que três cidadãos britânicos que desconheciam a sua condição fossem contactados e encaminhados com urgência para uma unidade de saúde para a administração rápida do antídoto", pode ainda ler-se.
Dono do restaurante sob custódia policial
Na semana passada, o dono do restaurante Tchin Tchin Wine Bar foi colocado sob custódia policial e inquirido, sendo suspeito de estar na origem da intoxicação. O homem está a ser indiciado por "homicídio e lesões não intencionais".
Segundo a Imprensa francesa, as investigações realizadas nos últimos meses permitiram apurar que o dono do estabelecimento não dispunha de equipamentos adequados para poder esterilizar os produtos que vendia para consumo. Desta forma, o Ministério Público "exigiu assim a sua colocação sob tutela judicial com proibição de exercício de qualquer atividade relacionada com a restauração".