A Casa Branca questionou, na terça-feira, o compromisso humanitário da Igreja Episcopal Americana, depois de a instituição religiosa ter decidido que não iria acolher africâneres designados refugiados por Donald Trump.
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Um primeiro grupo, com 59 pessoas, descendentes dos primeiros colonos europeus, aterraram na segunda-feira em Washington, por convite de Trump, que justificou o seu acolhimento com a sua “situação terrível”, chegando a evocar um “genocídio”.
A porta-voz deste grupo, Anna Kelly, reagiu, em comunicado, afirmando: “A decisão da Igreja Episcopaliana de acabar com dezenas de anos de parceira com o governo, devido ao acolhimento de 59 refugiados africâneres desesperados levanta sérias questões sobre o seu alegado compromisso com a ajuda humanitária”.
O bispo presidente da Igreja Episcopal – a confissão anglicana nos EUA -, Sean Rowe, tinha explicado na segunda-feira as razões da decisão.
“É doloroso ver um grupo de refugiados, escolhidos de forma não habitual, receber um tratamento de favor em relação a numerosos outros, que esperam em campos de refugiados ou em condições perigosas desde há anos”, escreveu.
“O compromisso indefetível da nossa igreja em favor da justiça racial e da reconciliação” faz com que “não possamos responder favoravelmente à solicitação do governo federal de ajudar no acolhimento dos Africâneres”, explicitou Sean Rowe.
“Em consequência, decidimos acabar com os nossos acordos para o acolhimento de refugiados subsidiados pelo governo”, anunciou.
Anne Kelly argumentou, no seu texto, que “os Africâneres foram confrontados com horrores indizíveis e não merecem menos o estatuto de refugiado que centenas de milhares de outras pessoas autorizadas a entrar nos Estados Unidos pelo governo anterior”.
Esta caracterização é fortemente negada pelo Governo sul-africano e tem sido contestada por especialistas do país e até por um grupo africâner, além de não haver qualquer tipo de indício que confirme as alegações do presidente norte-americano.
O Governo da África do Sul diz que as alegações dos EUA de que a minoria branca africâner está a ser perseguida são “completamente falsas”, resultado de desinformação e de uma visão incorreta do seu país.
As autoridades sul-africanas citam o facto de os africâneres estarem entre as pessoas mais ricas e bem-sucedidas do país e disse que estão entre “os mais privilegiados economicamente”.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, afirmou numa conferência de negócios na Costa do Marfim que falou recentemente com Trump por telefone e disse-lhe que a sua administração tinha sido alimentada com informações falsas por grupos que estavam a colocar os brancos como vítimas devido aos esforços para corrigir os erros históricos do colonialismo e do anterior sistema de segregação racial forçada da África do Sul, que oprimia a maioria negra.
“Tive uma conversa com o presidente Trump ao telefone e ele perguntou-me: ‘O que se passa aí em baixo?’ e eu disse-lhe que o que está a ser dito por essas pessoas que se opõem à transformação na África do Sul não é verdade”, disse Ramaphosa.
Ramaphosa disse que achava que Trump “tinha percebido”.
Na África do Sul, a minoria branca representa um pouco mais de sete por cento da população, mas possuía 72% das terras agrícolas em 2017, segundo números do governo, herança de uma política de expropriação da população negra durante a colonização e depois durante o ‘apartheid’, que as leis votadas desde 1994 visam alterar.
Os africâneres constituem a maioria da população branca do país. É desta franja que saíram os dirigentes políticos que instituiram o ‘apartheid’, um sistema de segregação racial que privou a população negra, muito maioritária, da maior parte dos seus direitos desde 1948 até ao início dos anos 1990.