Da Ucrânia aos Países Baixos, de carro, de comboio e de avião. Natalia Slipenko, de 28 anos, fugiu de Kiev apenas com a gata Celeste e deixou uma vida para trás. Na jornada, encontrou uma mão amiga em todos os lugares onde passou, mas o plano é voltar ao seu país assim que possível.
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A invasão da Ucrânia pela Rússia era algo que preocupava os ucranianos, mas não pensavam que fosse mesmo acontecer. Pelo menos não Natalia, que dormia sem preocupações no seu apartamento em Kiev, onde vivia com a gata Celeste. Na madrugada em que as tropas russas invadiram a Ucrânia, com o telemóvel em silêncio, a jovem ucraniana não viu as "20 chamadas" que recebeu da família e amigos. Quando acordou com a vibração do telemóvel, o pai, que vive na mesma cidade, disse-lhe: "Pega nas tuas coisas imediatamente e sai daí. Começou [a guerra]".
A primeira coisa que Natalia fez foi colocar fita adesiva nas janelas para evitar que as partissem se houvesse explosões nas proximidades. Depois, sentou-se na entrada do apartamento, onde não há janelas, para se proteger. A noite foi passada na cave do prédio com os vizinhos. "Foi um choque, pareceu muito repentino", contou ao JN.
No dia seguinte, sexta-feira, a jovem tentou ir buscar os pais, mas as tropas ucranianas fizeram explodir pontes para travar o avanço russo, deixando Natalia sem forma de chegar até eles. "A minha mãe queria que eu estivesse segura e eu sabia que ia ter de arranjar uma forma de deixar o país", disse. "Eu não queria sair da Ucrânia nem sabia para onde ia nem onde ia ficar. Mas levei em consideração a minha gata, toda a gente que me conhece sabe que ela é a minha bebé e eu estava preocupada com a segurança dela".
No sábado de manhã, depois de uma noite passada na própria casa de banho, Natalia juntou-se a um grupo de ucranianos para sair do país. Após quase três dias na estrada, chegaram à Roménia.
Uma mão amiga em cada esquina
Ao passar a fronteira, Natalia ficou "arrebatada com a quantidade de generosidade". "Havia muitos voluntários e tradutores que ajudavam ucranianos e romenos a falar uns com os outros. Havia gente a oferecer máscaras, chá, doces, tudo o que se possa imaginar", continuou.
Os gestos de solidariedade multiplicaram-se ao longo da jornada da ucraniana até a Groningen, nos Países Baixos, onde foi acolhida por amigos. Na Roménia, um homem levou-a até à estação de comboios e insistiu em comprar-lhe os bilhetes, que são agora gratuitos para ucranianos. "Ainda assim, foi muito simpático da parte dele", considerou.
Não tendo conseguido comprar logo um bilhete de avião para o destino final, o hotel que tinha reservado antes de sair da Ucrânia ofereceu-lhe uma noite extra, comida e até brinquedos para Celeste. O motorista da Uber que a levou até uma loja de animais para comprar areia para a gata também lhe pagou todas as despesas. "Fiquei absolutamente espantada com o nível de bondade".
Natalia fugiu, mas ainda quer fazer a sua parte para ajudar. Nos Países Baixos, começou imediatamente a colaborar como tradutora com uma organização de psicólogos que trabalham com trauma em situações de crise e de guerra e que estão a dar "webinars" a psicólogos ucranianos no terreno.
O plano é voltar para casa
A jovem fugiu sozinha, deixando para trás toda uma vida. O namorado ficou em Kiev a combater. Não lhe é permitido sair do país, "mas ele também não queria", garantiu Natalia ao JN.
Com os pais, o contacto é mais complicado. Na cidade onde vivem, não há luz, água nem eletricidade e é difícil telefonar-lhes. "Eu estava a receber notícias sobre eles pelos vizinhos, mas eles foram embora por isso não tenho forma de falar com eles", explicou.
"É muito injusto porque isto é algo que é perturbador, está a custar a vida das pessoas e tudo aquilo que têm. Todos nós perdemos algo. É absurdo", desabafa. Mas Natalia tem uma certeza: quer voltar à Ucrânia. "É difícil fazer planos porque não sabemos quanto tempo a guerra vai durar. Espero mesmo que não dure muito tempo porque sinto falta da minha casa, das pessoas de lá e quero voltar assim que puder".
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