O chanceler Friedrich Merz fará, esta quinta-feira, a primeira visita oficial a Washington desde que assumiu o Governo alemão. Para discutir temas como os gastos com Defesa, o apoio a Kiev e as tarifas, o líder germânico vai encarar a arena da Sala Oval, com um Donald Trump cético com os europeus, especialmente Berlim.
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Os alemães tentam demonstrar otimismo com o encontro com o presidente dos Estados Unidos, uma vez que Merz está hospedado na histórica Blair House, ao lado da Casa Branca. Além disso, o chefe de Governo alemão e o chefe de Estado norte-americano já conversaram pelo menos quatro vezes por telefone desde a vitória do democrata-cristão nas legislativas da Alemanha, em fevereiro – com ambos a utilizarem os nomes pessoais, o que demonstraria uma certa intimidade.
“Tem de adaptar a sua abordagem e trabalhar com ele. Ao mesmo tempo, não nos devemos tornar mais pequenos do que somos”, defendeu o chanceler alemão à estação pública WDR.
As raízes germânicas de Trump e pontos em comum entre os dois – empresários e jogadores de golfe – poderão ajudar a apaziguar algum eventual momento de tensão. Mas o fantasma de reuniões passadas na Sala Oval, nomeadamente com os presidentes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa, deixam dúvidas sobre como será o encontro.
No primeiro caso, o líder de Kiev deixou a residência oficial do presidente dos EUA logo após uma discussão acalorada com Trump e o vice-presidente norte-americano JD Vance – e teve a ajuda militar e a partilha de informações suspensas temporariamente. No segundo episódio, o sul-africano teve de ver um vídeo e ouvir acusações falsas – com fotografias, inclusive, da República Democrática do Congo – sobre um “genocídio branco” da minoria descendente dos colonos neerlandeses.
Sinais de desconfiança sobre uma possível emboscada diante das câmaras incluem o facto de que o encontro público na Sala Oval foi antecipado de última hora, segundo o jornal norte-americano “The New York Times”. Anteriormente, Merz e Trump teriam um almoço de trabalho primeiro – que poderia servir para limar as arestas entre Washington e Berlim.
“Ele precisa de ser assertivo, mas ao mesmo tempo fazer com que Trump se sinta respeitado como um grande estadista com uma visão forte”, argumentou Carlo Masala, professor de Política Internacional na Universidade Bundeswehr de Munique, citado pelo canal público NDR. “Acredito que a lisonja combinada com a autoconfiança europeia é a melhor estratégia, embora não haja garantia de que seja bem-sucedida”, acrescentou.
Gastos militares e NATO
Uma das cartas que Merz poderá apresentar a Trump é a questão da Defesa. O chefe de Governo germânico prometeu, no mês passado, transformar o Exército da Alemanha no “mais forte da Europa”. Berlim, que aprovou este ano, no Parlamento, uma reforma para permitir um maior endividamento público, quer gastar 3,5% do PIB na área defensiva e 1,5% em infraestruturas ligadas à segurança.
O magnata norte-americano tem pressionado por um aumento nos gastos militares por parte dos europeus, tendo ameaçado não apoiar os países da NATO que não cumprem com os requisitos orçamentários. O chefe do Pentágono, Pete Hegseth, disse esta quinta-feira, em Bruxelas, que Washington quer que os membros da Aliança Atlântica alcancem a meta de 5% do PIB em Defesa.
Os dois líderes devem discutir o apoio à Ucrânia, com Merz a apelar a novas sanções contra a Rússia. Os recente ataques russos que resultaram em dezenas de mortes fizeram com que Trump escrevesse que Vladimir Putin “enlouqueceu”. O presidente norte-americano ouviu do homólogo do Kremlin, contudo, que os russos vão retaliar o ataque ucraniano com drones do fim semana
Tarifas e carros alemães
Apesar de o Comércio ser um assunto negociado a nível europeu, a Alemanha tem especial interesse no que resultar da guerra comercial lançada por Trump. A maior economia europeia tem foco nas exportações e os EUA são o país que mais compra os bens germânicos. Em 2024, os alemães tiveram um superavit recorde de cerca de 70 mil milhões de euros – uma péssima notícia quando o líder da Casa Branca considera que relações comerciais com défice são “injustas”.
Merz chegou a Washington na quarta-feira, dia em que as taxas alfandegárias norte-americanas sobre o aço e o alumínio estrangeiros aumentaram de 25% para 50%. A Alemanha é o sétimo país que mais vende aço para os Estados Unidos. Além disso, a indústria automóvel alemã é alvo de muitas críticas do presidente dos EUA – a antiga chanceler, Angela Merkel, chegou a dizer ao diário italiano “Corriere della Sera”, em novembro, que “Donald Trump estava obcecado pelo facto de, na sua opinião, haver demasiados carros alemães em Nova Iorque”.
De acordo com o “The New York Times”, que refere assessores de Merz, o líder germânico deverá argumentar que uma guerra comercial entre a América e a Europa beneficiará a China. O chefe de Governo de Berlim, um “transatlantista”, escreveu na véspera do encontro com Trump que os EUA “são um amigo e parceiro indispensável da Alemanha”.
Política doméstica alemã e regulamentações
Um dos maiores pontos de tensão poderá ser a situação doméstica no país europeu, uma vez que integrantes da Administração Trump não escondem a simpatia pelo partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Recentemente, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, chamou de “tirania disfarçada” à classificação da AfD como um grupo “extremistas de direita” pelos serviços de inteligência doméstico germânicos.
Nesta ocasião, o recém-empossado Merz condenou as “observações absurdas” dos EUA e afirmou que “gostaria de encorajar o Governo americano... a ficar em grande parte fora” da política alemã. O democrata-cristão salientou ainda à estação pública ZDF que Berlim “não interferiu na campanha eleitoral americana” que resultou na vitória de Trump.
Poucos dias antes das eleições federais, em fevereiro, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, discursou na Conferência de Segurança de Munique e lamentou que os líderes europeus “temessem” os próprios eleitores, isolando as forças políticas extremistas de participar nos Governos. “Em Washington há um novo xerife na cidade e, sob a liderança de Donald Trump, podemos discordar das suas opiniões, mas lutaremos para defender o seu direito de as apresentar na praça pública, concorde ou discorde”, pontuou.
A postura mais agressiva de Washington poderá significar ainda ataque às regulações europeias, incluindo as relativas às redes sociais – as grandes empresas tecnológicas tem sido forte apoiantes de Trump. Bruxelas tem tentado, por exemplo, diminuir as restrições sobre os carros autónomos – medida que afeta a norte-americana Tesla, de Elon Musk – para que os EUA diminuam tarifas, noticiou o portal Politico.
A Alemanha é apenas um dos países a ser afetado pela pressão do Silicon Valley, que se tornou “um instrumento de coerção dos EUA”, como destacou uma análise publicada na revista “Foreign Policy”. “À medida que os titãs da tecnologia se alinham com a administração Trump, voluntária ou involuntariamente, o Mundo corre o risco de uma escalada séria que poderá remodelar a geopolítica, afundar economias e redefinir a soberania no século XXI”, completou.