Quinze milhões de eleitores procurarão eleger o sucessor do conservador Sebastián Piñera, de entre sete candidatos à presidência do Chile.
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Considerado durante décadas um exemplo de estabilidade e crescimento na América Latina, o Chile tornou-se, desde os protestos sociais de outubro de 2019, num foco de instabilidade política, social e económica que culmina, domingo, na mais imprevisível eleição presidencial dos últimos 31 anos.
A eleição ocorre a meio da elaboração de uma nova Constituição, com a população a enfrentar o aumento da inflação para os 6% e a assistir ao colapso dos partidos tradicionais como reflexo de uma crise de confiança institucional.
"A eleição está polarizada entre José António Kast, um ultra-conservador que tem sido muito comparado com Jair Bolsonaro, no Brasil, que reúne à volta dos 27,28% e tem subido nas últimas sondagens. E o líder estudantil, Gabriel Boric, que tem 25,26%", explica Raquel Patrício, especialista em estudos latino-americanos e docente do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
"É bem natural que esta primeira volta de domingo dê origem a uma segunda volta entre estes dois candidatos", estima a professora universitária, chamando a atenção para complexidade do processo. "Curiosamente, as sondagens embora coloquem agora Kast à frente de Boric, para a segunda volta, dão uma vantagem bastante confortável à esquerda, com cerca de 43% contra 37% da direita de Kast", acrescenta.
Duas forças radicais
Sebastián Edwards , economista chileno e professor titular da cátedra Henry Ford II da Universidade da Califórnia e antigo assessor do antigo governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, alerta para o radicalismo eleitoral. "São as eleições mais polarizadas desde a reinstauração da democracia, em 1990. Tudo indica que a segunda volta será disputada por duas forças radicais", diz entrevista ao jornal espanhol "El Pais".
"O que mais confunde a situação é que isso acontece num contexto de enorme violência que já dura dois anos. Se a isso acrescentarmos que dentro de oito meses haverá uma nova proposta de Constituição, teremos um cocktail bastante explosivo", estima Edwards.
Risco de voltar às origens
O professor da Universidade da Califórnia é bastante pessimista quanto ao futuro do Chile. "Já foi ultrapassado pelo Panamá. É um país em declínio há cerca de dez anos. Não me surpreenderia se numa geração o Chile voltasse às origens, no meio da classificação, entre Costa Rica e Equador. São dois países adoráveis, mas não são económica ou socialmente bem-sucedidos", analisa.
Carlos Peña, advogado chileno e reitor da Universidade Diego Portales, em Santiago, é da opinião que a sociedade chilena não estará tão polarizada assim. "As sondagens de opinião parecem indicar que a elite está polarizada, mas não cidadania", explica, também em em entrevista ao "El País".
Até há dois anos, o Chile era o país mais próspero e com melhores expectativas na região, com uma economia pujante e elevada estabilidade institucional. De então para cá, mergulhou num clima de violência e agitação social que explicam o tom da campanha, disputada por sete candidatos : os favoritos José Antonio Kast e Gabriel Boric, a democrata-cristã Yasna Provoste e Sebastián Sichel, do partido Sebastián Piñera, também bem posicionados para uma segunda volta. Num cenário sem sondagens sólidas, e cuja divulgação está proibida por lei nos 15 dias antes das eleições, a dúvida fica até à contagem do último voto.
O socialista Marco Enríquez Ominami, o radical de esquerda Eduardo Artés e o populista Franco Parisi, que fez campanha virtual nos Estados Unidos, sem pisar o Chile, onde não pode entrar devido a uma questão legal, estão também na corrida.
Desde que foi estabelecido o voto voluntário, há nove anos, a participação dos chilenos nos atos eleitorais tem sido baixa. Analistas estimam, por isso, que o mais provável que haja um segundo turno, já agendado ora dia 19 de dezembro. Amanhã, também serão escolhidos 155 deputados, 27 dos 43 senadores e vereadores regionais.
Cronologia
Outubro de 2019 - Protestos na capital do Chile, Santiago, contra aumento nas tarifas nos transportes. Confrontos entre Polícia e manifestantes descontentes com desigualdade social. É decretado o estado de emergência. Morrem 30 pessoas. Dia 25, cerca de 1,2 milhão de chilenos saem às ruas em Santiago.
Nov. 2019 - Deputados concordaram com exigência da Oposição para referendo sobre a revisão da Constituição do era Pinochet no Chile. Nações Unidas denunciam várias violações de direitos por parte da Polícia.
Jan./Fev.2020 - Novos confrontos no final de janeiro fazem quatro mortos. A violência irrompe novamente a 23 de fevereiro em Vina del Mar, perto de Valparaíso, e depois, no início de março, em várias cidades.
Março 2020 - Chile declara um "desastre nacional", devido à pandemia. Protestos são interrompidos e o referendo à revisão da constituição é adiado para outubro.
Outubro de 2020 - Dia 25, 79% dos chilenos votam a favor da revisão constitucional
Novembro de 2021 - Deputados chilenos aprovam o processo de destituição do presidente, Sebastian Piñera, devido a supostas irregularidades reveladas pelos "Pandora Papers".