Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação afirma possuir instruções secretas para centros de "educação ideológica".
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Quatro documentos "secretos", sobre o funcionamento de "centros de educação ideológica" na região de Xinjiang e de um sistema de vigilância, que alegadamente controla a vida da minoria uigur e fundamenta milhares de detenções, estão a pôr em causa a versão do Governo chinês sobre a estratégia de "guerra ao terrorismo".
Os documentos - três circulares para a uniformização do funcionamento dos centros e uma sentença - foram divulgados por 75 jornalistas em 17 meios de informação de 14 países associados no Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), baseado em Washington.
Classificados como secretos, os documentos, do verão de 2017, dão instruções sobre a "educação ideológica" dos "estudantes", "começando pela vida diária, a saúde, a etiqueta e boas maneiras", salientando a importância "do arrependimento e da confissão", para que "compreendam o caráter ilegal, criminoso e perigoso do seu comportamento passado".
centros gigantes
Segundo jornais como "The New York Times" (EUA), "Le Monde" (França), "The Guardian" (Reino Unido) e "El País" (Espanha), os utentes são sujeitos a doutrinação forçada através de um sistema de punições e recompensas de acordo com a avaliação, e acesso a formação profissional numa centena de centros, na maioria com grandes dimensões, podendo albergar até 20 mil pessoas.
A ação dirige-se especialmente à minoria étnica uigur, muçulmana, que soma onze milhões em 23 milhões de habitantes em Xinjiang, controlada pela maioria chinesa han, na fronteira ocidental da China. Há pelo menos um milhão de internados, diz o ICIJ, que afirma ter-se verificado em 2017 uma campanha de detenção em massa.
Na semana de 19 a 25 de junho de 2017, foram identificados 24 412 suspeitos de extremismo, dos quais 706 ficaram presos e 15 683 internados em centros. Para a sua identificação, as autoridades teriam usado sofisticados sistemas de vigilância de "smartphones", contas bancárias, conversações e reconhecimento facial e "de emoções".
Contactado pelo ICIJ e pelo "The Guardian" em representação dos parceiros, o Governo classificou os documentos de "pura invenção" e "notícias falsas", desmentindo qualquer perseguição étnica e assegurando que os centros de "desradicalização" (inspirados, assegurou em 2018, nos idealizados dois anos antes pela França, embora o único que funcionou fosse em regime aberto) visam erradicar o extremismo.
"campo de batalha"
"A região tornou-se um campo de batalha. Milhares de incidentes ocorreram em Xinjiang entre 1990 e 2016 e milhares de pessoas foram mortas", explica Pequim, indicando que a população pressionou o Governo a resolver o problema.
"Depois das medidas nos últimos anos, não há um único ato terrorista", salienta o Governo, que considera os jovens uigures suscetíveis ao extremismo islâmico. Entre 2013 e 2015, milhares juntaram-se ao autodenominado Estado Islâmico.
Os principais anos de violência foram 2009 e 2014. No primeiro, a capital regional, Urumqi, registou violentos confrontos étnicos que fizeram duas centenas de mortos. No segundo, três ataques à bomba em março, abril e maio, mataram quase 100 pessoas e feriram centenas. Em Kunming, um ataque de homens armados com sabres fez 30 vítimas mortais e 130 feridos.
Os atos violentos foram saudados pelo Partido Islâmico do Turquistão, a filial da al-Qaeda na região afegano-paquistanesa. v
Origem
Os chamados "China cables" (Telegramas da China) são três alegadas circulares secretas do chefe da segurança em Xinjiang, Zhu Hailun, entregues ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação por uma fonte anónima.
Verificação
A verificação da "autenticidade" foi feita com linguistas, que analisaram a linguagem, a ajuda de especialistas na etnia uigur, duas pessoas que confirmaram a assinatura e testemunhos de ex-detidos, jornalistas e diplomatas.
União Europeia
A União Europeia "continua à espera que a China cumpra as suas obrigações nacionais e internacionais, e que respeite os direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas que pertencem a minorias".