Caso despertou debate sobre a proteção aos profissionais. Médicos pedem leis contra a violência psicológica. Lisa-Maria, de 36 anos, gastou milhares de euros em segurança mas acabou por suicidar-se, face aos constantes ataques dos ativistas antivacina.
Corpo do artigo
Após meses de perseguição e ameaças de morte, Lisa-Maria Kellermayr, médica austríaca de 36 anos que combateu a covid-19 na linha da frente, acabou com a própria vida. Altamente defensora da vacinação nos meios de comunicação social, a clínica despertou a ira dos chamados negacionistas, tornando-se alvo de ataques violentos.
Na passada sexta-feira, 29 de julho, foi encontrada morta no consultório, em Wels, no oeste austríaco. As autoridades encontraram três notas de suicídio, cujo conteúdo não foi divulgado, e anunciaram que não estava prevista a realização de autópsia. O caso gerou uma onda de manifestações e vigílias, com os médicos do país a pedirem maior proteção aos profissionais e a criação de leis rígidas contra o bullying e a guerra psicológica. De referir que pelo menos dois dos suspeitos que terão ameaçado Lisa-Maria são de nacionalidade alemã.
A comoção foi geral. Milhares de pessoas juntaram-se, na segunda-feira, no exterior da Catedral St Stephen's, em Viena, com velas, para uma última homenagem a Kellermayr. O presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, colocou flores no consultório da médica e pediu "o fim da intimidação e do medo". "O ódio e a intolerância não têm lugar no nosso país", referiu, lamentando as ameaças dirigidas à médica por teóricos da conspiração da pandemia, primeiro pela Internet e depois pessoalmente.
Gastos de 100 mil euros em segurança
Lisa-Maria Kellermayr era uma cuidadora apaixonada, atenciosa, que vivia para o trabalho, descreveram os amigos. Com a chegada da covid-19, ofereceu-se imediatamente para visitar pessoas infetadas nas suas casas, durante semanas, em turnos de 24 horas, explicando aos familiares que, sendo solteira e sem filhos, pertencia "à linha da frente".
Como defensora acérrima das vacinas, a médica partilhava frequentemente pensamentos e ideias sobre o tema no Twitter, sendo regularmente entrevistada e elogiada pela forma clara como comunicava. No entanto, além das mensagens de ódio que recebia, em novembro de 2021, manifestantes anti-vacinas chegaram mesmo a cercar a clínica onde trabalhava, bloqueando a entrada principal.
Nessa altura, Lisa pediu proteção policial, mas as autoridades desvalorizaram o caso, levando-a a contratar um segurança privado. Em fevereiro, o guarda disse aos meios de comunicação social alemães e austríacos que, em diversas ocasiões, impediu a entrada na clínica de pessoas armadas com facas. Quatro meses depois e já com um gasto de 100 mil euros em segurança, a médica reconheceu que "seria mais barato fechar a clínica". O que viria a acontecer, de forma definitiva, em julho.
Na sua última entrevista, concedida ao diário austríaco Der Standard, Kellermayr confessou sentir-se abandonada pelo Estado. "O que aconteceu comigo pode acontecer a qualquer pessoa", notou. A polícia austríaca negou, entretanto, não ter levado a sério as ameaças dirigidas à médica. "Estivemos em contacto permanente com ela desde novembro e tentamos oferecer proteção. Fizemos tudo o que era possível em relação à segurança, além de investigar [as ameaças]. As investigações continuam", afirmou um porta-voz da polícia austríaca, citado pelo britânico "The Guardian".