Cirurgião pedófilo francês confessa "atos abomináveis" em julgamento por violação de quase 300 pacientes
O ex-cirurgião Joël Le Scouarnec, acusado de violar e agredir sexualmente 299 pacientes, a maioria menores de idade, admitiu ao tribunal, esta segunda-feira, ter cometido "atos abomináveis", num dos maiores casos de pedofilia em França.
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"Cometi atos abomináveis. Hoje sou perfeitamente consciente de que essas feridas não podem ser apagadas", declarou o acusado de 74 anos no início do julgamento no tribunal de Vannes, no oeste da França. Afirmou ainda que quer "assumir a responsabilidade" pelas suas ações.
Le Scouarnec "reconhece a sua responsabilidade na imensa maioria dos factos", disse o advogado Maxime Tessir. "Não pretende, de forma alguma, fugir das suas responsabilidades", acrescentou.
O julgamento, que durará quatro meses, acontece dois meses depois de outro julgamento que chocou a França e o Mundo: o da violação em série de Gisèle Pelicot, pelo qual 51 homens foram condenados.
"Médicos agressores, violadores. O Conselho de Médicos é cúmplice", lia-se numa faixa exibida em frente ao tribunal, pouco antes do início do julgamento. Cerca de 30 manifestantes formaram com letras a frase "Parem a lei do silêncio".
As vítimas "não esperam nada" do único réu, disse à imprensa Marie Grimaud, advogada de 39 partes civis, mas "esperam recuperar um pouco de dignidade, humanidade e, acima de tudo, consideração por parte da Justiça". Dado o seu grande número, as vítimas acompanharão o julgamento numa sala anexa e só irão à sala principal para depor perante o tribunal, disse Grimaud. "Não terão o apoio emocional" das outras vítimas quando testemunharem, explicou a advogada, especificando que este será o primeiro momento em que verão e ouvirão presencialmente a voz do suposto agressor.
Amélie Lévêque, de 42 anos, uma das vítimas, disse à AFP que estava "com medo" de ver o acusado. "Esta manhã vi algumas das vítimas que são minhas amigas e choramos juntas. Foi lindo e doloroso ao mesmo tempo", acrescentou.
O homem arrisca 20 anos de prisão por 111 acusações de violação e 189 de agressão sexual entre 1989 e 2014, agravadas pelo facto de que abusou na sua posição como médico e que 256 das 299 vítimas tinham menos de 15 anos. A idade média das vítimas era de 11 anos, mas entre os vários crimes atribuídos ao médico estão a violação de um bebé de um ano e a agressão sexual de um paciente de 70 anos.
Em 2005, o tribunal de Vannes já o tinha condenado a quatro meses de prisão, com suspensão da pena, por posse de pornografia infantil, o que não o impediu de continuar a trabalhar. No entanto, foi necessária a denúncia em 2017 de uma vizinha de seis anos, que havia agredido e violado em Jonzac, no oeste da França, para que os seus crimes se tornassem públicos.
Na sua casa em Jonzac, onde vivia como um eremita com as suas dezenas de bonecas, agentes apreenderam mais de 300 mil imagens de pedofilia, além de milhares de páginas de listas e diários no seu computador. O cirurgião registrou meticulosamente os nomes das vítimas em cadernos, juntamente com relatos dos abusos que as submeteu sob anestesia, às vezes até mesmo na mesa de operação.
O réu já está preso por uma condenação de 2020 por crimes semelhantes contra quatro menores, incluindo a vizinha e duas sobrinhas.
As vítimas têm o direito de testemunhar a portas fechadas, como quase 40 delas já solicitaram.
O veredicto está previso para 6 de junho.