Um antigo cirurgião vai ser julgado em França esta segunda-feira, acusado de violar ou agredir sexualmente quase 300 antigas pacientes, a maioria das quais crianças.
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Joel Le Scouarnec, de 74 anos, já está na prisão depois de um tribunal em 2020 o ter considerado culpado de abusar de quatro crianças, incluindo duas das suas sobrinhas.
Neste julgamento, que durará quatro meses, enfrenta alegações de que também agrediu ou violou 299 pacientes, muitos deles enquanto acordavam da anestesia ou durante exames pós-operatórios, numa dúzia de hospitais entre 1989 e 2014.
No total, 256 das 299 vítimas tinham menos de 15 anos, sendo que a mais nova tinha um ano e a mais velha 70.
O julgamento deverá ser um novo choque para a França. Acontece apenas dois meses depois de o francês Dominique Pelicot ter sido condenado por ter alistado dezenas de desconhecidos para violarem a sua mulher Gisele Pelicot, fortemente sedada, que entretanto se divorciou dele e se tornou uma heroína feminista por se recusar a ter vergonha.
Neste caso, Le Scouarnec é o único arguido acusado de crimes contra centenas de vítimas.
O julgamento na cidade de Vannes, na região ocidental da Bretanha, será público, mas sete dias de testemunhos de vítimas que foram alvo de abusos quando eram menores serão realizados à porta fechada.
Se for condenado, Le Scouarnec poderá servir uma pena máxima de 20 anos de prisão - a lei francesa não permite a acumulação de penas, mesmo quando há várias vítimas.
"Fracasso coletivo"
O cirurgião exerceu a sua atividade durante décadas até se reformar, apesar de ter sido condenado em 2005 por posse de imagens de abuso sexual de crianças e de os seus colegas terem manifestado a sua preocupação.
Em 2004, Le Scouarnec exercia a sua profissão na cidade de Lorient, na região ocidental do país, quando o FBI alertou as autoridades francesas para o facto de ele se encontrar entre as centenas de pessoas que, em França, consultavam imagens de abusos sexuais de crianças na Internet.
No ano seguinte, um tribunal da cidade vizinha de Vannes condenou-o a uma pena suspensa de quatro meses de prisão.
Mas, nessa altura, o médico já tinha ido trabalhar para outra cidade da Bretanha, Quimperle, onde foi promovido apesar de a direção ter tido conhecimento da sua condenação.
Depois mudou-se para o sudoeste de França, onde trabalhou até à sua reforma em 2017.
Os investigadores descobriram os seus alegados crimes após a sua reforma em 2017, quando uma menina de seis anos o acusou de violação e a polícia encontrou relatos de abusos nos seus diários.
As vítimas e os defensores dos direitos da criança afirmam que o caso põe em evidência as deficiências sistémicas que permitiram que Le Scouarnec cometesse repetidamente crimes sexuais.
Frederic Benoist, advogado da organização francesa La Voix de l'Enfant (A Voz da Criança), afirmou que o facto de Le Scouarnec nunca ter sido impedido de exercer a profissão foi o resultado de um “fracasso coletivo”.
Foi aberta uma investigação separada pelos procuradores regionais sobre estas falhas, embora não esteja ainda a visar qualquer indivíduo ou instituição.