Centenas de camiões bloquearam o acesso à Ponte do Embaixador, que liga o Canadá aos EUA. O posto fronteiriço, que liga a cidade canadiana, Windsor, a Detroit, nos EUA, é o alvo mais recente do "Comboio da Liberdade", movimento que está a espalhar o caos um pouco por todo o país, há quase duas semanas.
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O bloqueio da Ponte Embaixador, responsável por cerca de 27% do comércio entre o Canadá e os EUA, é o ponto alto do protesto iniciado no final de janeiro por camionistas descontentes pela obrigatoriedade da vacina anti-covid para atravessar a fronteira.
Os manifestantes tentaram "bloquear a economia", disse o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, numa sessão na Câmara dos Comuns. Diariamente, oito mil camiões atravessam a ponte, num movimento essencial à economia dos dois países do norte da América.
"A economia do Canadá está a ser ameaçada à medida que milhares de camiões e milhões de dólares no comércio transfronteiriço estão interrompidos", sublinhou o primeiro-ministro canadiano, repetindo o apelo para o fim do protesto. "Estão a tentar bloquear a nossa economia, a nossa democracia e a vida quotidiana dos nossos concidadãos. Tem de parar", disse.
generally your worst-case design load for a bridge of this magnitude is that it's full of all loaded trucks, in the snow
- The Goddamned Penguin (@who_shot_jgr) February 8, 2022
unrelatedly the ambassador bridge is 92 years old and was privately-owned by a notorious cheapskate for the past 40 of them https://t.co/W19lVI2fXB
Uma outra ponte foi tomada pelos protestos, na fronteira em Coutts, no sul do país.
"Reféns dentro das suas próprias casa"
Além economia do país, o protesto inédito no Canadá está a afetar o quotidiano dos canadianos. O ministro da Segurança Pública, Marco Mendicino, revelou que depois de dias de perturbação, incluindo o alto e persistente toque da buzina dos camiões, os residentes de Otava sentem-se reféns nas suas próprias casas. "Enquanto todos acreditam no direito à liberdade de expressão, este movimento ultrapassou muitas e muitas vezes a linha do aceitável", disse Mendicino, citado pela BBC.
Is this a peaceful protest? What if you lived here, and this was going on from early in the morning until late at night, how would you feel? #Ottawa pic.twitter.com/oIhVKCYjur
- Paul Champ (@PaulChampLaw) February 5, 2022
Uma ordem do Tribunal Superior de Ontário proibiu os camionistas estacionados na baixa de Otava de buzinar incessantemente, durante dez dias. No entanto, a medida não está a ser cumprida e o ruído incessante continua a atormentar a população.
Tom Marazzo, porta-voz interino do "Comboio da Liberdade", admitiu que os manifestantes querem ir para casa, mas não vão até que o "trabalho esteja feito".
O Canadá tem uma das taxas de vacinação mais elevadas do mundo. Apenas cerca de 15% dos camionistas do país não estão vacinados e as medidas de saúde pública têm sido amplamente apoiadas.
O protesto do comboio atraiu um largo apoio de grupos antigovernamentais, que estão alimentar a crise política, económica e social do Canadá.
Já não é só um protesto anti-vacinas
O que começou por ser um protesto contra a vacinação obrigatória dos camionistas que cruzavam a fronteira do Canadá rapidamente escalou para um movimento contra as medidas sanitárias para conter a covid-19 e até mesmo contra o Governo de Trudeau. A onda de descontentamento foi perfeita para movimentos extremistas como o "QAnon" e "Action4Canada".
De acordo como o jornal britânico "The Guardian", a coordenação, sem precedentes, entre grupos anti-vacinas e antigovernamentais terá sido ideia de James Bauder, um teórico da conspiração responsável pelo "QAnon". O ativista conquistou muitos apoiantes quando afirmou que a covid-19 é "o maior golpe político da História".
Outro grupo associado é o "Action4Canada", que alega que o "falso pronunciamento de uma pandemia de covid-19" foi orquestrado, pelo menos em parte, pelo dono da Microsoft, Bill Gates, pela "Ordem do Novo Mundo (Económico)" para facilitar a injeção de microchips habilitados para 5G na população".
Desde que chegaram a Otava, os extremistas têm sido visíveis com bandeiras neonazis, confederadas, símbolos da QAnon e ainda cartazes com o rosto de Trudeau estampado e a exibir a mensagem: "Procurado por crimes contra a humanidade".
Embora a manifestação tenha sido maioritariamente pacífica, a polícia expressou preocupação com a abordagem extremista vinda de grupos de extrema-direita entre os manifestantes. Além dos abusos raciais e homofóbicos relatados, alguns dançaram no Túmulo do Soldado Desconhecido, no National War Memorial.
O alcance do "Comboio da Liberdade" é já internacional e algumas personalidades vieram a público demonstrar apoio aos manifestantes. Donald Trump pronunciou-se e classificou o primeiro-ministro canadiano de "lunático de extrema-esquerda", acusando-o de estar a "destruir o Canadá com obrigações insanas" relativas à pandemia.
Elon Musk, CEO da Tesla, comparou as medidas sanitárias ao fascismo. Entre os republicanos estão também o Governador do Estado da Florida, Ron DeSantis, o procurador-geral do Estado do Texas, Ken Paxton, e o senador texano Ted Cruz.
A polícia de Otava revelou que o financiamento do protesto tinha reunido um considerável apoio financeiro de indivíduos e grupos norte-americanos.
A reação política canadiana chegou na voz do ministro da Saúde Pública que disse que algumas personagens dos EUA deveriam manter-se afastadas dos assuntos internos do Canadá, de modo a não interferir.
Duas semanas de contestação
No dia 29 de janeiro, centenas de camiões bloquearam as ruas do centro de Otava com cerca de 15 mil pessoas a manifestarem-se em frente ao Parlamento Federal. Desde então, as ruas da capital canadiana nunca mais foram as mesmas e a normalidade parece agora uma realidade longínqua.
Otava está em Estado de Emergência desde domingo. A polícia apreendeu milhares de litros de combustível nos últimos dias para tentar conter os manifestantes, cerca de 80 investigações foram abertas em relação aos protestos, por alegados crimes de ódio e danos materiais e mais de 20 pessoas já foram detidas.
Jim Watson, presidente da Câmara de Otava, admitiu, no início da semana, que a situação está "fora de controlo". "Estamos a perder a batalha, (...) temos de recuperar a nossa cidade", disse o autarca a uma rádio local, descrevendo como "inaceitável" o comportamento dos manifestantes, que estão a bloquear e as destruir as ruas com os camiões. Foram solicitados mais dois mil agentes policiais para a região.
Apesar dos esforços das autoridades para demover os manifestantes, o protesto tem ganho força de dia para dia.