Como votar infetado pelo mundo: "drive thru", urnas móveis, horários noturnos ou táxis do Estado
Bom senso e imaginação: a República Checa criou zonas de voto para carros e nos Países Baixos votou-se em cima da bicicleta. Em França, cada eleitor leva a sua caneta e em Israel houve urnas que iam a casa dos isolados. Na Austrália favoreceu-se o voto por correio e na Croácia os positivos votaram por procuração. É possível votar estando infetado. Mas custa mais dinheiro e é preciso vigilância ativa.
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A pandemia do coronavírus interrompeu centenas de eleições agendadas para 2020 e 2021 e introduziu disrupções nunca antes vistas no desenrolar dos processos eleitorais, sobretudo no ato físico de votar. Mas, mesmo com o surto da nova doença ainda muito ativo (332 milhões de casos em todo mundo, 57 milhões dos quais ativos; o número de mortos está agora em 5,5 milhões), especialmente agora devido à variante ómicron, foram mais os países que prosseguiram os seus processos democráticos do que aqueles que os suspenderam.
Segundo o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), uma organização intergovernamental que analisa e apoia a democracia sustentável em todo o mundo, entre fevereiro de 2020 e dezembro de 2021 pelo menos 153 países e territórios decidiram realizar eleições nacionais ou subnacionais, apesar das preocupações com a covid. O número de países que as adiaram ultrapassou as oito dezenas, mas, pelo menos 63 realizaram os atos eleitorais inicialmente adiados.
Mas as mudanças, necessárias para garantir a segurança sanitária individual e coletiva, e, ao mesmo tempo, respeitar o direito universal ao voto, são possíveis.
Bom senso dita a segurança
Muitos especialistas sustentam que as eleições realizadas até agora mostraram que o risco de transmissão nos locais de voto diminui se as autoridades adotarem as regras gerais de bom comportamento em pandemia. Que são as regras do bom senso: aplicação de distanciamento social, exigência do uso de máscaras, ventilação frequente das salas de voto (dez minutos por cada hora é a média) e constante higienização das superfícies, entre outras medidas.
Além disso, "fornecer diferentes opções de voto remoto também ajudará a minimizar ajuntamentos e o risco de transmissão de pessoa para pessoa", diz Fernanda Buril, investigadora citada num estudo da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (IFES).
Que medidas adotaram os diferentes países?
Vários países demonstraram que é possível exercer votação presencial em segurança sanitária, diz um estudo do Council on Foreign Relations, um think tank norte-americano voltado para a política externa e assuntos internacionais. Governos e órgãos de gestão eleitoral adotaram muitas das seguintes precauções:
Exigir máscaras
Todos os países obrigaram os eleitores a usar máscaras de proteção individual, diz uma análise da IFES - usar máscara diminui significativamente a possibilidade de infeção e de transmissão em qualquer ato do quotidiano.
Verificação da temperatura
Na Coreia do Sul, quase 30 milhões de pessoas (66% dos eleitores elegíveis; foi a maior participação eleitoral no país desde 1992) votaram em abril em 2020. Submeteram-se todos à medição da temperatura e receberam desinfetante para as mãos antes de votar. Os que acusaram febre foram autorizados a votar em áreas separadas e específicas.
Distanciamento social
Países como a Mongólia ou a Sérvia pediram aos eleitores nas suas eleições de 2020 que ficassem a pelo menos dois metros de distância uns dos outros.
Desinfeção dos locais de voto
A desinfeção constante de superfícies de uso comum é outra medida adequada. Na Polónia, o pessoal das assembleias de voto foi instruído para arejar as salas durante dez minutos em cada hora. Na República Dominicana, os delegados de mesa impavam regularmente as superfícies e as canetas usadas para preencher os boletins.
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Em França, as autoridades encorajaram os eleitores a levar as suas próprias canetas. E no Suriname, os funcionários eleitorais usaram cotonetes para marcar os dedos dos eleitores que já tinham votado com tinta, em vez de deixarem as pessoas mergulhar o dedo no tinteiro coletivo, como era tradição.
Horas de votação separadas
Minimizar o número de pessoas que votam ao mesmo tempo ajuda, evidentemente, a diminuir o risco de transmissão do coronavírus. Muitos países aumentaram o número de locais de voto, favoreceram a votação antecipada e ampliaram os horários no dia das eleições.
Singapura, por exemplo, atribuiu aos eleitores infetados janelas de duas horas noturnas durante as quais poderiam votar presencialmente. E os idosos e outros indivíduos de alto risco foram incentivados a votar nas duas primeiras horas de abertura das urnas. Na Coreia do Sul, os cidadãos em quarentena votaram à noite, separados dos outros.
Dar alternativas à votação presencial
Alguns países, como a Austrália, incentivaram os eleitores a votar por correio, modalidade que provou ser confiável - diz a análise do Council on Foreign Relations. No entanto, os especialistas não recomendam a mudança abrupta para os sistemas de votação online devido às vulnerabilidades de segurança.
Israel teve urnas móveis e locais especiais para isolados
Na Croácia e em França, representantes por procuração foram autorizados a votar em nome de pacientes com coronavírus e em isolamento. Noutros países, funcionários eleitorais e profissionais de saúde deslocaram-se com a urna e o boletim de voto a casa dos utentes, como foi o caso de Israel, o primeiro país a permitir o voto aos infetados com covid nas legislativas de 2020.
Na eleição do ano seguinte, Israel montou 500 urnas extra em lares de idosos e foram criados 800 locais de voto específicos para quem estivesse em quarentena. Israel disponibilizou ainda táxis gratuitos para quem estivesse na lista oficial de infetados do Ministério da Saúde.
Checos e holandeses com "drive thru"
Numa solução mais imaginativa, a República Checa montou, nas eleições regionais de 2020, mais de 70 locais de voto com "drive thru", em que se podia votar sem sair do carro. E havia ainda mesas de voto específicas para isolados, que podiam ainda solicitar a recolha de voto no seu domicílio.
Também nos Países Baixos, em março de 2021, o voto por procuração foi alargado e simplificado -- cada eleitor podia responsabilizar-se por entregar três outros votos, além do seu próprio. E foram criados locais de voto com "drive thru" para carros e outros para bicicletas em que ninguém tocava em ninguém e os funcionários eleitorais trabalhavam com fatos de proteção individual.
As novas medidas são caras
Garantir financiamento para implementar essas precauções é a primeira batalha. As eleições de 2020 na Coreia do Sul custaram 16 milhões de dólares a mais. Outros países, como a Indonésia ou a Ucrânia, orçamentaram dezenas de milhões de dólares adicionais para medidas relacionadas com o coronavírus.
O Brennan Center for Justice, instituto com sede nos EUA, estimou que custou 4 mil milhões de dólares garantir que todas as eleições nos EUA entre março e novembro de 2020, incluindo a eleição presidencial em que Joe Biden derrotou Donald Trump, foram livres, justas e seguras do ponto de vista sanitário.
Votar provoca surtos?
Alguns países sofreram aumentos na abstenção, mas outros, diz a análise de estudo do Council on Foreign Relations, outros países viram a participação aumentar e poucos casos de coronavírus foram adicionalmente ligados à votação.
A pergunta coletiva essencial é esta: as eleições provocaram novos surtos de coronavírus?
Dado o número de fatores envolvidos, é difícil dizer. Alguns países viram um aumento no número de casos de covid nas semanas após as eleições. A Bielorrússia, por exemplo, sofreu protestos generalizados após a eleição presidencial, com muitos ajuntamentos, o que poderá ter contribuído para um aumento nos casos. E a Sérvia, que também viveu protestos pós-eleitorais, foi acusada de subnotificar os seus casos de covid.
Por outro lado, a Coreia do Sul, país muito elogiado pela extensão das suas precauções nos locais de voto, não reportou novos casos nas eleições de abril de 2020, uma altura em que havia muitas restrições sociais em vigor. De igual modo, os EUA descobriram que não houve aumento de casos em Milwaukee após as eleições primárias de Wisconsin em abril de há dois anos.