O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados brasileira instaurou esta terça-feira dois processos disciplinares ao filho do chefe de Estado e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, após queixas do seu próprio partido e da oposição.
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Um dos processos foi protocolado pelas formações políticas da oposição Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pelo Rede, e foi motivado pelas declarações de Eduardo Bolsonaro, que referiu um eventual regresso de um decreto que vigorou durante a ditadura militar.
O deputado afirmou, em 31 de outubro, que, se a esquerda brasileira organizar manifestações de rua como no Chile, o atual Governo, liderado por Jair Bolsonaro, poderá decretar um ato institucional usado na ditadura militar, que restringiu direitos e liberdades no país.
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", afirmou, numa entrevista publicada no Youtube.
O Ato Institucional nº 5 foi decretado no Brasil, em 1968, no auge da ditadura militar, e revogou direitos fundamentais e garantias constitucionais como o 'habeas corpus', instituiu a censura prévia e também deu ao Presidente o direito de cessar mandatos de parlamentares e intervir em cidades e estados do país.
As declarações de Eduardo Bolsonaro causaram polémica, com o próprio chefe de Estado a demarcar-se do seu filho, e a lamentar o sucedido.
"Quem está a falar sobre AI-5 está a sonhar. Não existe. O AI-5 já existiu no passado, em outra Constituição, mas não existe mais. Esquece", afirmou na ocasião Jair Bolsonaro, em Brasília.
Contudo, o polémico AI-5 voltou hoje a ser notícia, mas desta vez pela boca do atual ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes.
O ministro avisou hoje que protestos populares no Brasil, semelhantes ao que se passa noutros países da América Latina, podem levar a um pedido de restrição das liberdades, o mesmo ato que formalizou a ditadura, em 1968.
Comentando as crises sociais que têm causado protestos em vários países da região numa conferência de imprensa na segunda-feira à noite em Washington (madrugada de hoje em Lisboa), Paulo Guedes recordou o contexto em que o Ato Institucional n.º5 foi aprovado pelo Governo brasileiro, no processo de consolidação da ditadura.
"Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro", declarou Paulo Guedes.
As declarações do ministro geraram críticas de vários setores brasileiros, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil a classificá-las de "incompatíveis com a democracia".
O deputado do PT Paulo Pimenta disse, no Twitter, que "defender AI-5, como fazem Paulo Guedes e a família Bolsonaro, é crime".
"Não basta os milicianos serem protegidos pelo jagunço Sérgio Moro [ministro da Justiça], agora querem enterrar a democracia brasileira?", questionou ainda Pimenta.
O outro processo instaurado contra Eduardo Bolsonaro teve origem na sua própria formação política, o Partido Social Liberal (PSL), que acusa o deputado de ter ofendido a também deputada Joice Hasselmann (PSL) nas redes sociais, após esta se ter mostrado contra a sua indicação para a liderança do PSL.
Na ocasião, Eduardo Bolsonaro usou as redes socias para publicar uma fotomontagem de uma nota falsa com a imagem de Hasselmann. De acordo com a acusação, a exposição causou "danos irreversíveis e incomensuráveis à honra da deputada".
"Os meus processos no conselho de ética não são por roubo ou corrupção e sim (...) por eu ter mencionado o AI-5 e por eu ter 'twittado' (...) a nota [falsa ]de três reais. Ambos os casos apenas me querem censurar, e ignoram o art.º 53º", escreveu o deputado, referindo-se ao artigo que confere imunidade parlamentar, um direito garantido pela Constituição brasileira, para se exprimir em "opiniões, palavras e votos".
Momentos mais tarde, Eduardo Bolsonaro anunciou na rede Twitter que recebeu pedidos para a sua expulsão do PSL.
"Acabo de receber os meus pedidos de expulsão do PSL e da presidência do PSL de São Paulo. (...) Sempre achei que eles seriam implacáveis contra corruptos e ladrões. Alguém poderia perguntar a eles qual crime cometi?", questionou o filho do Presidente da República.
O Presidente brasileiro abandonou este mês o PSL e anunciou a criação de um novo partido, Aliança pelo Brasil.