O ministro dos Negócios Estrangeiros lamentou esta quarta-feira a morte do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, que classificou como "figura maior do século XX", "simultaneamente heroica e trágica", ao fazer ruir um regime baseado em mentiras agora reconstituído por Vladimir Putin.
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Em declarações à margem de uma reunião informal de chefes de diplomacia da União Europeia (UE), em Praga, João Gomes Cravinho, reagindo à morte do último líder da antiga União Soviética, apontou que Gorbachev é "a pessoa a quem mais se deve o final da 'Guerra Fria'", observando que "o seu percurso político tem, no entanto, contornos simultaneamente de uma personagem heroica e trágica".
"Heroica porque encarnou, com o seu apelo à honestidade e integridade, todo o processo de abertura da União Soviética, desvendando as inverdades sobre as quais se tinha construído esse império. E, no entanto, trágica, porque exatamente por isso o regime soçobrou", apontou.
Salientando que "o objetivo dele não era esse", mas sim "reformar o sistema para que ele pudesse sobreviver", João Gomes Cravinho disse que Gorbachev "acabou por o fazer ruir, e isso por uma razão simples: é que a luz do dia era incompatível com a natureza do regime".
"E, portanto, a partir do momento que ele revelou aos cidadãos russos aquilo que era a realidade do regime, não era mais possível a sobrevivência desse regime", prosseguiu.
Estabelecendo uma 'ponte' com a situação geopolítica atual e a Rússia sob a liderança de Vladimir Putin, o chefe da diplomacia portuguesa comentou que, "infelizmente, aquilo que Putin demonstra é o pior da história da Rússia no período que Gorbachev herdou quando chegou ao poder, ou seja, a utilização de mentiras".
"Veja-se o absurdo que é chamar uma operação especial à invasão da Ucrânia pela Rússia. Portanto, todo esse sistema de mentiras em cima de mentiras para construir uma verdade alternativa e impedir que os cidadãos russos tenham acesso à verdade é precisamente algo que hoje vemos reconstituído por Putin", disse.
Mikhail Gorbachev, último líder da antiga União Soviética, morreu na terça-feira aos 91 anos de idade.
Segundo as informações iniciais, Mikhail Gorbachev será enterrado no cemitério Novodevichy, em Moscovo, onde se encontram os restos mortais de figuras importantes da história russa, assim como o túmulo da sua mulher, Raísa.
O último Presidente da União Soviética vivia longe dos holofotes dos 'media' há anos, devido a problemas de saúde.
Como último líder da União Soviética, travou uma batalha perdida para salvar um império fragilizado, mas produziu reformas extraordinárias que levaram ao fim da Guerra Fria.
O antigo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), entre 1985 e 1991, desencadeou uma série de mudanças que resultaram no colapso do Estado soviético autoritário, na libertação das nações do leste europeu do domínio russo e no fim de décadas de confronto nuclear Leste-Oeste.
Gorbachev ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1990 pelo seu papel no fim da Guerra Fria e passou os seus últimos anos a colecionar elogios e honras em todo o mundo, contrariando a visão da Rússia, onde era desprezado.