Apesar da sua aparência amigável, o urso polar é um dos predadores mais ferozes do planeta e colher uma amostra de sangue para conhecer o seu modo de vida e estado de saúde é uma atividade arriscada, que exige uma organização minuciosa.
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Primeiro, é preciso encontrá-lo e, em seguida, atirar-lhe um dardo sedativo de um helicóptero antes de um veterinário se atrever a aproximar-se para lhe colocar uma coleira com GPS. Depois, recolhe-se a amostra de sangue e gordura antes que acorde. Tudo isto sob um vento gelado de até 30 ºC negativos numa plataforma de gelo do Ártico.
Nas últimas quatro décadas, especialistas do Instituto Polar Norueguês (IPN) monitorizaram a saúde e o movimento dos ursos polares no arquipélago de Svalbard, entre a Noruega e o Polo Norte.
Este ano, os oito cientistas que trabalham no quebra-gelo norueguês Kronprins Haakong estão a experimentar novos métodos para estudar o maior carnívoro terrestre, incluindo a monitorização, pela primeira vez, dos “químicos eternos”, as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), que vêm de outras partes do Mundo e acabam nos seus corpos.
Cirurgia no gelo
O veterinário Rolf Arne Olberg coloca a espingarda ao ombro quando um urso polar começa a aproximar-se do helicóptero. O dardo derruba-o suavemente e Olberg observa-o com binóculos para se certificar de que atingiu um músculo. Caso contrário, o urso poderia acordar prematuramente. Após uma espera de cinco a dez minutos para ter certeza de que está a dormir, o grupo de cientistas pousa e trabalha com rapidez e precisão.
Colocam um colar GPS no urso ou substituem a bateria, se o animal já tiver um. Apenas as fêmeas são monitorizadas com coleiras GPS, porque os ursos polares machos têm o pescoço mais grosso do que a cabeça e podem sacudi-la até remover o dispositivo.
Olberg faz uma incisão precisa na pele do urso para inserir um monitor cardíaco. “Isto permite-nos registar a temperatura corporal do urso e a sua frequência cardíaca durante todo o ano”, explica a investigadora Marie-Anne Blanchet à AFP. O objetivo é “ver a energia que as fêmeas usam diante da mudança no seu ambiente”.
Os primeiros cinco foram colocados no ano passado, o que significa que, pela primeira vez, os especialistas poderão cruzar dados para determinar quando e quanto os ursos caminham e nadam para chegar aos seus locais de caça e quanto tempo descansam nas suas tocas.
O veterinário também colhe uma amostra de gordura que permite aos cientistas testar como o animal pode resistir ao stress e aos “químicos eternos”, os principais contaminantes encontrados nos seus corpos. “A ideia é representar da melhor maneira possível o que os ursos experimentam na natureza, mas num laboratório”, afirma a toxicologista belga Laura Pirard.
Mudança na dieta
Até ao momento, já ficou comprovado que a dieta dos ursos de Svalbard está a mudar devido à redução da calota polar: comem menos focas, observa Jon Aars, cientista-chefe do programa de ursos polares do IPN. “Continuam a caçar focas, mas também comem ovos e renas. Também comem erva marinha e coisas assim, embora isso não lhes forneça energia”.
As focas são uma fonte essencial de alimento para os ursos polares. “Mesmo que tenham apenas três meses para caçar, podem obter cerca de 70% do que precisam para o ano inteiro nesse período. Provavelmente é por isso que vemos que eles estão bem”, apesar do enorme derretimento dos glaciares. Porém, se o aquecimento global reduzir ainda mais a caça às focas, “talvez tenham dificuldades”, alertou. “Há mudanças notáveis no seu comportamento, mas estão a sair-se melhor do que pensávamos. No entanto, há um limite, e o futuro pode não ser tão brilhante”.
“Os ursos têm outra vantagem”, observou Blanchet. “Eles vivem muito tempo, aprendem com a experiência de toda a sua vida e isso dá-lhes uma certa capacidade de adaptação”.
Leis anticontaminação
Outra descoberta encorajadora são os indícios de uma redução nos níveis de contaminação.
“Observámos uma redução nos níveis de contaminação”, afirma a toxicologista finlandesa Heli Routti, que cita o “sucesso das regulamentações nas últimas décadas”. “A concentração de muitos contaminantes que foram regulamentados diminuiu nos últimos 40 anos nas águas do Ártico”, afirma. “Mas a variedade de contaminantes aumentou. Agora observamos mais tipos de substâncias químicas” no sangue e no tecido adiposo dos ursos”.
Especialistas alertam que os “químicos eternos” usados em cosméticos e frigideiras antiaderentes também acabam no corpo humano e podem estar associados a casos de cancro.