"Dezassete para Madrid" embarcaram em Lisboa num autocarro da Embaixada de Espanha que "furou" todas as proibições para devolver estrangeiros presos em Portugal pela pandemia.
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Lisboa acorda vazia num 1.o de Maio muito diferente daquilo que Portugal está acostumado a viver. O barulho irritante das rodas de uma mala rompe o silêncio numa estação do Oriente completamente paralisada pela restrição de movimentos promulgada pelo Governo durante este fim de semana prolongado.
Ainda assim, um grupo de jovens espera, impacientemente, pela primeira oportunidade para regressar a casa: um autocarro patrocinado pela Embaixada de Espanha em Portugal, com autorização para fazer o trajeto Lisboa-Madrid em pleno estado de emergência, numa Ibéria confinada. E com limite estabelecido de 20 passageiros, o que obrigou a companhia a elevar consideravelmente o preço do bilhete: passou de 26€ para 93€.
Para tentar esquecer a falta de sono provocada pela odisseia que foi chegar a Lisboa às 9 da manhã, partilham aventuras. Um chileno esperava desde as 5 da manhã, depois de vir do Algarve durante a noite. Outra rapariga apanhou o comboio noturno que liga Coimbra a Lisboa e um senhorio conduziu o seu inquilino desde Setúbal. Um punhado de mais afortunados só teve que pedir um Uber...
Um controlo em 222 quilómetros
O autocarro chega pontual, alguns casais separam-se de lágrimas nos olhos, sem saber quando voltarão a estar juntos, e o motorista desce para explicar as regras. Em tempos de coronavírus, o medo de ser infetado está sempre presente.
Os passageiros são obrigados a usar máscara e a levar um papel que justifique o deslocamento entre países quando as fronteiras estão fechadas. No interior do veículo, um cartaz anuncia os assentos que podem ser usados para evitar que as pessoas fiquem na mesma fila e, assim, respeitem a distância de segurança de dois metros.
A viagem começa como se esperava. Ainda nem estavam todos acomodados quando o autocarro se depara com o primeiro controlo da Polícia, perto do Aeroporto Humberto Delgado.
"Quantos passageiros transporta?". "Dezassete para Madrid". E segue-se o caminho. Surpreendentemente, este é o primeiro e único controlo nos 222 quilómetros que separam Lisboa da fronteira do Caia, entre Elvas e Badajoz.
Erasmus, atleta, turista
As mais de sete horas de trajeto serviriam para conhecer o verdadeiro motivo para cada uma daquelas pessoas empreenderem esta viagem pondo em risco a saúde.
E se vários alunos de Erasmus espanhóis põem um fim antecipado àquele que dizem ser o melhor ano da vida de um estudante, um atleta chileno põe fim ao sonho. Estava em Portugal num clube da segunda divisão de ténis de mesa quando o vírus se começou a espalhar e cancelou a Liga. A equipa perdeu a oportunidade de subir à categoria nacional máxima, fazendo-o regressar ao Chile, onde espera poder continuar a treinar com o irmão para não perder o hábito.
John, vindo do Uruguai, levava quatro dias em Lisboa quando fecharam as fronteiras. Passou o último mês num alojamento local à espera de poder sair de Portugal. As oportunidades são raras. Antes deste, outro autocarro saíra no dia 24 de abril.
Travessia de um deserto
A estrada, à frente do motorista, desenrola-se vazia, quase sempre. Até à placa anunciando a fronteira e à brigada da Polícia espanhola que esperava para realizar um controlo mais detalhado da situação. Todas as pessoas são identificadas e têm que justificar a deslocação para poder prosseguir viagem. Num gesto de mimo, os agentes oferecem uma máscara a cada passageiro.
Depois de um triste almoço num posto de gasolina, chega finalmente o perigoso destino, onde vivem mais de 60 mil infetados com o novo coronavírus: Madrid, a martirizada capital de Espanha.
Mas, para muitos, a viagem nem sequer acaba aqui. Os espanhóis que não residem em Madrid fogem rapidamente de comboio ou enfiados noutro autocarro. Os chilenos ingressaram num hotel antes de embarcar rumo à América do Sul, hoje. E John, o turista, ainda não tem data para regressar ao Uruguai...
Fronteiras
Até 15 de maio
O controlo de fronteiras entre Portugal e Espanha, reduzidas a nove pontos de passagem, deve manter-se pelo menos até 15 de maio.
Quem passa
A fronteira só abre a quem trabalhe do lado de lá, espanhóis de regresso a casa e transporte de mercadoria.
A exceção
O fecho da fronteira implicava dividir uma comunidade que tem vida, terra e animais de ambos os lados. Por duas horas, à quarta e ao sábado, os habitantes podem circular.