Entrevista a Felipe Pathé Duarte, investigador em Relações Internacionais e Geopolítica na Nova School of Law, em Lisboa.
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O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura contra o presidente Vladimir Putin por crimes de guerra, pelo seu alegado envolvimento em sequestros e deportação de crianças da Ucrânia. Que efeito tem este mandado tendo em conta que a Rússia não reconhece a jurisdição do TPI nem ratificou o Estatuto de Roma?
Não há uma dimensão muito efetiva nesta atuação, neste mandado, no sentido em que quem vai ter em conta esta decisão são os países que ratificaram o TPI, o que não é o caso da Rússia, naturalmente. Portanto, consequências muito práticas, em que é que isto se traduz: traduz-se, em primeiro lugar, num isolamento progressivo de Vladimir Putin. E, por outro lado, há uma certa circunscrição geográfica de Vladimir Putin, que em termos práticos não poderá passar pelos países que ratificaram o TPI porque corre o risco de ser detido. Não é o primeiro a quem acontece uma condenação por crimes de guerra em que efetivamente, em termos penais, não lhe acontece nada. Veja-se o caso de Bashar al-Assad. E, portanto, é apenas uma questão simbólica, em que efetivamente o que tem é um isolamento em termos de política internacional, um assumir do isolamento de Vladimir Putin, e, por outro lado, uma circunscrição geográfica no que diz respeito à sua circulação.
Portanto, a detenção de Putin só não pode ocorrer em territórios que não tenham ratificado o TPI nem o Estatuto de Roma?
Exatamente, porque não há nenhuma vinculação ao Estatuto.
É possível que sejam emitidos outros mandados no âmbito da ofensiva russa na Ucrânia?
Eu creio que sim, creio que a tendência será essa. Basta ver o caso do grupo Wagner, o caso de várias acusações em termos militares. E claramente parece que este é o início de um processo em larga escala.
É previsível que seja formulada uma acusação por genocídio, mais difícil de comprovar?
Eu creio que sim, eu creio que o grande objetivo inicial será a questão do genocídio, mas eu tenho sérias dúvidas que se reúnam dados suficientes que permitam atestar a questão do genocídio, será muito difícil. E depois considerar que o ponto de partida para esta acusação é uma violação da Convenção de Genebra, que tem a ver com a forma como os civis são tratados em situação de guerra. Parece-me que, para já, vamos por aí e não tanto por uma questão de genocídio.
Vai ser criado um tribunal especial para julgar crimes de agressão no âmbito da ofensiva na Ucrânia. Acredita que esse julgamento vai mesmo acontecer?
Claramente, é uma questão de tempo até isso avançar. Agora, a dimensão de efetividade não sei qual é que é. Veja o que aconteceu na ex-Jugoslávia, com Milosevic, o tempo que demorou. Foi preciso a situação estar relativamente sanada. É preciso o contexto de guerra estar relativamente sanado para que isso avance, situação essa que eu, pelo menos nos próximos tempos, não antevejo no caso da Ucrânia. Há sempre a possibilidade do julgamento "in absentia" [em ausência]. Há uma questão que é a própria atuação russa no que diz respeito à ideia de reeducação destas crianças. É uma situação altamente condenável, como é óbvio, mas na perspetiva russa a parte interessante é que isto é visto como um processo de libertação das próprias crianças. Como estamos aqui a falar de uma guerra em que o foro identitário não é circunstancial, é uma das principais narrativas que justificam esta atuação violenta, esta guerra. Nós temos que ter em consideração a normalidade na perspetiva do Kremlin: não é um rapto mas é o salvar e o libertar estas crianças do jugo opressivo da Ucrânia. É uma transformação da perceção, ou seja, as crianças têm a perceção errada, nós estamos corretos, que é o comportamento natural dos regimes autoritários. Estes regimes é que fazem isso: nós cientificamente, politicamente, moralmente, estamos de tal forma corretos no nosso princípio que as crianças estão enganadas, têm que ser reeducadas, para depois a longo prazo não haver estas cisões.