George Wolinksi, um dos desenhadores assassinados, esta quarta-feira, durante um ataque terrorista à redação do jornal satírico "Charlie Hebdo", foi presidente do júri do Porto Cartoon desde 2004 e deu uma entrevista ao JN.
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Releia a entrevista de Wolinksi ao jornalista F. Cleto e Pina, publicada no Jornal de Notícias de 19 de junho de 2004, em que o francês, desassombrado, declarou que "a política é mais fácil que o sexo".
Desenha há 40 anos. Como vê a sua evolução pessoal e a do Mundo?
Uma pergunta interessante... Sabe, quando se começa, descobre-se. Fazem-se progressos. No desenho, hoje, sou melhor do que há três anos. Mas há 40 anos, fazia desenhos formidáveis, com frescura, imaginação. Comecei a desenhar sobre amor e sexo ao mesmo tempo que descobria o amor e o sexo. Depois do Maio de 68 comecei no desenho político. Até aí não me interessava - nem sabia se o sabia fazer. Há 40 anos já havia desenhadores formidáveis: Bosch, Sempé. Mas o desenho não é melhor hoje. Há só mais liberdade.
Ainda há censura nos jornais?
Há a censura do dinheiro - a pior de todas. Mais do que a censura moral, há a censura económica, dos homens de negócios, dos grandes industriais dos jornais.
Teve muitos problemas com os seus desenhos?
Não, nem por isso. Sou demasiado esperto! (risos) Sou um desenhador de esquerda, com convicções. Um bom desenhador político tem que ter convicções - e ideias e valores. Eu tenho valores de esquerda.
Isso não afecta o seu trabalho?
Basta que seja um bom profissional. Faço desenhos que poderiam, da mesma forma, ser publicados num jornal de direita ou num jornal de esquerda. Digo o que penso, mas não sou militante - um humorista não pode ser militante. Claro quando se fala de sexo é diferente.Para o semanário Journal de Dimanche faço desenhos políticos; no Charlie Hebdo, um jornal satírico, tenho toda a liberdade para o que quiser. Quanto ao Paris-Match, um jornal nacional, posso incluir um pouco de... belas mulheres! Posso desenhar o Chirac a ser entrevistado por uma bela jornalista, que cruza as pernas, mostra um pouco as cuecas... e isso diverte-me! Mas isso já não incomoda ninguém. Esta época é muito mais livre do que antes.
Prefere o sexo ou a política?
A política é mais fácil do que o sexo. A actualidade tem mais interesse, muda: terrorismo, eleições, dramas, acidentes... O sexo é sempre igual! (risos)
Como escolhe os seus temas?
Compro três jornais por dia, vejo TV, leio livros políticos, interesso-me pelo Mundo. Tenho uma certa cultura e trabalho com antecipação. Muitas vezes faço desenhos de políticos que vão fazer um discurso e já sei o que eles vão dizer.
É fácil fazer rir todos os dias?
Pensa-se que fazemos um desenho quando estamos inspirados. Mas não. Um jornalista recolhe elementos e depois escreve. Com um desenhador passa-se o mesmo. Perscruto a actualidade, tomo notas e... dá-se o milagre.
Quando as notícias são os atentados em Nova Iorque ou em Madrid, é fácil fazer rir?
Não, não é fácil. Nesses casos fiz desenhos simbólicos. Não podemos rir de tudo... No atentado espanhol representei a Europa coberta de pessoas a dizer 'Não!'. No atentado de Nova Iorque, desenhei as ruínas com uma vela e um cartão a dizer 'love'. São os únicos casos em que fiz desenhos simbólicos. Não procurei divertir, procurei a emoção.
Um desenho é melhor do que um texto?
Não diria isso. Mas o desenho é a primeira coisa que vemos. É essa a sua força. Mas é preciso que seja simples e conciso. Mas nada substitui um texto. Se hoje desenho, é porque li muito desde pequeno.
O que faz para além do cartoon?
Estou a trabalhar numa banda desenhada e num desenho animado.Diverte-me, mas está a dar muito, muito trabalho. Chama-se "Uma vida complicada".