Milhares de deslocados arriscam fugir de Mariupol para chegar a Zaporíjia.
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Sair de Mariupol é cada vez mais difícil: as tropas russas não deixam, apesar de estarem a deslocar milhares de ucranianos à força para a Rússia, falando-se em mais 400 mil pessoas. Alguns homens, os mais capazes fisicamente, são separados das famílias e enviados para regiões de Lugansk e Donetsk para trabalhos forçados ao serviço do exército russo. Outros são transferidos para a Sibéria, informação não confirma oficialmente, mas presente nos depoimentos de deslocados.
Há notícias de que foi acordado um corredor humanitário, mas no terreno ninguém sabe o que mudou na prática. O transporte de retirada de civis tem sido assegurado sobretudo por carros particulares. Num esforço titânico, desafiam a morte e vão buscar habitantes de Mariupol, aqueles que saem quando o medo de ficar e morrer suplanta o medo de arriscar para sair.
"A situação é insuportável. Não há água, eletricidade, comunicações, gás... Estamos assim desde dia 6 de março", diz Sasha, um deslocado que escapou no seu carro particular. "À saída da cidade, existem dezenas de checkpoints russos a cada 500 metros", acrescenta.
"Perdemos a nossa vida"
Desde que saiu de Mariupol, Alexander já voltou à cidade 12 vezes para trazer pessoas. De cada vez que vai recolhe cinco, seis... "Se tenho medo? Claro que tenho. De cada vez que vou, não sei se é a última. E penso na minha esposa, no meu filho - o que será deles se me acontece algo? -, mas tenho que ajudar estas pessoas que estão abandonadas e entregues à sua sorte. Se não for eu, quem será?", diz o homem que não tem mais de 1,65 metros de altura, mas que é campeão ucraniano de halterofilismo. "Olhe para os meus chinelos... Não tenho aqui outros", conta, envergonhado, enquanto mostra os chinelos rosa da mulher nos pés.
Saporíjia, a sul, tem pessoas vindas das cidades de Mariupol e Berdyansk. Um homem conta que viajou com a mulher grávida de quatro meses. "Tenho de ser o pilar emocional. Senão ela vai-se abaixo. Desde que partimos de Mariupol, no dia 16 de março, toma todos os dias calmantes", diz, preferindo não dizer o nome, porque os seus pais ainda ficaram.
"Quero ir buscá-los. Mas a verdade é que não falo com eles quase há duas semanas e nem sei o que dizer...Como pode acontecer isto nos dias de hoje?", questiona. A mulher não fala, tenta, mas começa logo a chorar: "Como pode ser assim? Perdemos toda a nossa vida e vamos ter um filho agora? O que vai ser de nós?". O marido abraça-a.
Um porto seguro
Os carros chegam de Mariupol, depois de vários dias de viagem. Têm pára-brisas partidos, janelas com sacos plásticos, um manto de pó, papéis com a palavra "crianças" em ucraniano, alguma bagagem presa por cima das bagageiras com fita-cola, alguns com grandes estragos e furos de balas. Tudo revela pressa, desespero e muito improviso.
A cidade de Zaporíjia tem sido um porto seguro. As histórias de quem chega da Mariupol traçam uma linha que separa a vida da morte, muitas vezes por metros, segundos. Uma linha separa-nos do reino de Hades.
Zaporíjia para já está segura, mas Vasylivka, a 60 quilómetros, já está ocupada pelos russos.