Para uns, um alívio. Para outros, um plano sem nexo, numa altura em que as forças de Kiev precisam de drones. A Ucrânia anunciou o arranque da reconstrução do Antonov An-225 Mriya. Já se resgatam peças e preparam designs para devolver o maior avião do Mundo aos céus.
Corpo do artigo
A promessa foi feita logo no final de fevereiro de 2022: "Destruíram-no, mas o nosso Mriya nunca morrerá". Nos primeiros dias da invasão da Ucrânia, as forças russas destruíram o maior avião do Mundo, o Antonov An-225 Mriya (que significa "Sonho"), num aeródromo perto de Kiev. Agora, um ano e um mês depois - e com a guerra sem fim à vista - o plano de reconstrução da colossal aeronave já começou, quase como sendo um símbolo do orgulho e da esperança ucraniana. "Nunca poderão destruir o nosso sonho de um Estado europeu forte, livre e democrático", disse, na altura do ataque, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba.
As imagens não deixam margem para dúvidas: mostram um "Sonho" totalmente desfeito. As gigantescas asas, que se erguiam à altura de um prédio de seis andares, desapareceram. Peça a peça, os ucranianos estão a reunir o que sobra da aeronave com um plano ambicioso em mente: construir um novo Mriya. Fazê-lo renascer, literalmente, das cinzas.
Claro que falando em reconstrução num país tremendamente afetado pela guerra, casas, escolas, hospitais e pontes são uma prioridade óbvia. Mas reerguer o Mriya pode ser, em parte, uma inspiração, defendem os executivos da Antonov. "As pessoas devem ter esperança", afirmou Vladyslav Vlasyk, engenheiro-chefe da empresa estatal ucraniana, ao "The New York Times". "Têm de saber que o avião não está ao abandono. Há muito a fazer, mas estamos a trabalhar", garantiu.
Contudo, o plano de reconstrução do avião está a gerar críticas. Para o analista de aviação Valery Romanenko, "não há palavras": a Antonov devia, isso sim, "fazer algo urgente pelas Forças Armadas" durante a guerra, por exemplo fabricar drones.
De recordar que, no verão do ano passado, o empresário britânico Richard Branson visitou o aeródromo onde estão os destroços do avião e prometeu ajudar na sua reconstrução. O projeto, que custará cerca de 460 milhões de euros, arrancou na semana passada com o resgate das peças e o trabalho de design, mas a montagem propriamente dita do avião ficará para depois do conflito.
O orgulho da Ucrânia
Construído em Kiev na década de 1980, o Mriya foi reformado depois de a Ucrânia ter saído da União Soviética, sendo um orgulho para o país. Designada como AN-225, a aeronave, maior do que qualquer outra, foi feita para transportar o vaivém espacial soviético Buran. Mais tarde, carregou objetos industriais pesados, como pás eólicas e locomotivas, tendo feito as delícias de multidões com espetáculos aéreos.
Na semana passada, além de anunciarem o arranque da reconstrução do Mriya, as autoridades ucranianas comunicaram a detenção de dois funcionários da Antonov por terem contribuído para a destruição do avião. Kiev acusa os dois cidadãos, também ex-militares, de terem impedido as forças ucranianas de protegerem o aeroporto antes da invasão. Caso sejam condenados por obstrução das operações do exército, poderão receber uma sentença de 15 anos de prisão.
Até uma criança de dois anos dirá para reconstruírem o Mriya
Os fios pendurados nas asas e a fuselagem esburacada criam um cenário desolador para Valentyn Kostiyanov, técnico que ajudou a construir o maior avião do Mundo e que agora trabalha no seu "resgate". "Dedicamos-lhe tanto tempo, milhares de horas, demorámos anos a construí-lo", contou. É por isso que, para Kostiyanov, não há sombra de dúvida. "Perguntem a qualquer pessoa na Ucrânia. Até uma criança de dois anos dirá para reconstruírem o Mriya".