Milhares de migrantes continuam a tentar atravessar o mar que liga a França ao Reino Unido. Líderes dos países não estão a conseguir chegar a um entendimento político sobre a matéria.
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Há um mês, o Canal da Mancha assistiu a uma das maiores tragédias migratórias dos últimos tempos. Numa tentativa de atravessar o mar que liga o Reino Unido a França, 27 migrantes morreram num naufrágio. Apesar das condições cada vez mais adversas, todos os dias, dezenas de migrantes continuam a arriscar cruzar esta travessia. O drama migratório eleva a tensão entre Londres e Paris, numa batalha política que coloca Emmanuel Macron e Boris Johnson frente a frente.
Embora o clima hostil se tenha intensificado no último mês, a crise política nas relações franco-britânicas já vem de trás. "Este problema é recorrente e, apesar de negociações discretas, os dois países acusam-se mutuamente", destaca Sandra Fernandes, professora de Relações Internacionais na Universidade do Minho.
Depois do naufrágio, o primeiro-ministro britânico publicou uma carta, na qual propôs o retorno a França dos migrantes que atravessam o canal. A abordagem do líder britânico não caiu nas graças do presidente francês que o acusou de usar meios pouco sérios, acrescentando que "não se comunica entre líderes através do Twitter".
A docente destaca que a situação atual, marcada pelo aumento anual de migrantes que procuram chegar a terras britânicas, requer a renegociação de um acordo que neste momento é extremamente desfavorável à França.
"De facto, o acordo do Touquet, assinado em 2003, faz de Paris o guarda-fronteiras do Reino Unido. Assinado num momento em que não se previa o fluxo migratório que deu lugar a esta crise, a gestão da fronteira franco-britânica em Calais coloca as autoridades francesas sob forte pressão", explica a investigadora.
Paris, por sua vez, tem acusado o Executivo britânico de não fazer nada para assumir políticas que possam tornar o Reino Unido menos atrativo. "Se o Brexit tinha por objetivo devolver o controlo das suas fronteiras ao Reino Unido, a França constata agora que este último não pretende assumir esta responsabilidade", afirma Sandra Fernandes.
Crise veio para ficar
Atualmente, uma das principais armas do Reino Unido para tentar dissuadir os migrantes de atravessar o Canal da Mancha é a legislação que está em debate no parlamento, que irá penalizar traficantes e indocumentados.
A proposta tem como objetivo criminalizar os requerentes de asilo que cheguem ao país ilegalmente, mas não agrada aos ativistas dos direitos humanos que acusam Londres de descartar os compromissos migratórios que assumiu no passado.
Independentemente da solução construída pelas duas potências europeias, antecipa-se que "a crise franco-britânica não é passageira e requer a capacidade negocial francesa e a vontade política do lado britânico", garante a professora na instituição minhota.
Relativamente aos futuro, e às repercussões que a frágil relação franco-britânica pode ter na Europa, Pedro Madeira Froufe, professor de Direito na Universidade do Minho, recorda que esta não é bilateral, acabando por trazer a União Europeia (UE) por arrasto, já que "depois do Brexit, a França assumiu um papel de destaque na Europa". Em consequência, o caminho pouco amigável que Paris está a construir com os britânicos acaba também "por prejudicar a relação da UE com o Reino Unido.
Refugiados curdos
A maioria dos 27 migrantes que morreram no Canal da Mancha eram do Iraque. Segundo o Ministério Público de França, 16 eram curdos iraquianos, incluindo quatro mulheres entre os 22 e 46 anos, um adolescente de 16 anos, uma criança de sete e 10 homens de 19 a 37 anos.
Migração tem aumentado
França revela que 31 500 pessoas tentaram viajar para o Reino Unido desde o início do ano, número que duplicou desde agosto. Já de acordo com as autoridades britânicas, mais de 25 mil pessoas chegaram até agora ao país, triplicando o número registado em 2020.