"El odio": o livro sobre espanhol que matou os filhos como vingança que está a causar polémica
Um livro sobre o homicida espanhol José Bretón, publicado pela editora Anagrama, no qual confessa pela primeira vez ter assassinado os filhos, Ruth e José, na propriedade da família em Las Quemadillas, em Córdoba, está a causar polémica em Espanha.
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Em causa está o livro "El odio", de Luisgé Martín, onde José Bretón confessa pela primeira vez o homicídio dos dois filhos como forma de vingança por ter sido deixado pela mulher.
A denúncia inicial foi feita pela mãe das crianças, que apresentou uma queixa através do Serviço Andaluz de Assistência à Vítima (SAVA). O Ministério Público (MP) de Córdoba abriu o processo e remeteu o caso para o Ministério Público (MP) de Barcelona, onde se situa a sede da editora.
O MP alertou a Anagrama que a publicação do livro poderia levar a "ações judiciais" pela eventual violação do direito dos menores à honra, à reserva da vida privada e à sua própria imagem.
Entretanto, a editora anunciou que iria suspender o lançamento do livro "El odio". Apesar disso, o Ministério Público da Infância e Juventude requereu também a suspensão cautelar da publicação, por entender que a mesma poderia violar os direitos à privacidade e à honra das crianças, como alegou a mãe.
No entanto, agora, numa decisão datada de segunda-feira, consultada pelo jornal espanhol "ABC", o juiz ressalta que a violação de direitos alegada pelo Ministério Público da Infância e Juventude não pode ser comprovada com a documentação "insuficiente" apresentada até ao momento, composta por diversas matérias de imprensa relacionadas com a obra "El odio".
A resolução, da qual o MP recorrerá, indica que se trata de um "pedido inédito" que pede a suspensão da publicação com base num artigo escrito pelo próprio autor do livro, "onde expõe o processo que seguiu para a escrita da sua obra, extraindo conversas e interações mantidas" com Bretón, e outro em que se faz referência à confissão do indivíduo de ter assassinado os seus filhos. O livro inclui as cartas entre Martín e Bretón, uma entrevista final na prisão onde está a cumprir pena e a confissão de Bretón, na qual explica que matou as crianças com comprimidos dissolvidos em água e açúcar e afirma que não houve "sofrimento".
O tribunal conclui que, “diante do pedido formulado e das provas produzidas, não é adequado, nos termos dos requisitos estabelecidos no ordenamento processual civil, conceder a medida cautelar requerida”. O juiz considera os documentos fornecidos pelo procurador insuficientes para avaliar se a honra, a privacidade e a autoimagem dos filhos de Ruth Ortiz foram violadas. A sentença refere ainda que "não é possível determinar claramente o género a que pertence o livro em causa, sendo esta uma questão de especial importância quando se ponderam os limites da liberdade de expressão (aspetos da liberdade de informação ou de criação artística) em relação aos direitos honoríficos da pessoa".
"Pedimos que se considere o superior interesse da mulher"
O procurador público Ángel Gabilondo afirmou que existe um "conflito de direitos" na publicação do livro sobre José Bretón e pediu que sejam considerados "os melhores interesses da mulher em relação aos seus filhos".
"Esta questão levar-nos-ia, pelo menos, a ter alguma cautela na hora de tomar uma decisão. Apoiamos a liberdade de expressão, absolutamente; a liberdade de expressão é absolutamente sagrada. Agora, caberá aos juízes determinar; um juiz já decidiu que o livro pode ser publicado. Disse também que não o conseguiu ler. Respeitando a lei judicial, esta é uma questão vital, mas nós pedimos apenas que se considere um interesse maior nesta questão, que é o superior interesse da mulher em relação aos seus filhos, quando esses filhos foram assassinados", destacou Gabilondo na terça-feira, em declarações à imprensa após a apresentação do Relatório Anual da instituição ao Congresso.
Além disso, afirmou que "é apropriado dirigir-se à Sra. Ruth Ortiz", mãe das crianças assassinadas, e insistiu que o conflito de direitos não pode ser resolvido com uma espécie de "dilema competitivo em que se deve escolher entre a liberdade de expressão e de criação ou os direitos" das vítimas.
Gabilondo recordou que a instituição que representa realizou um relatório sobre a violência indireta e esclareceu que o desejo do agressor de "executar" a mulher, prejudicando os seus filhos "nem sequer termina com a sua morte", mas "frequentemente persiste em causar deterioração e destruição" das suas vidas.
Livrarias recusam-se a vender livro
A publicação do livro estava prevista para esta quarta-feira. No entanto, com as questões judiciais, até ao momento, a editora não anunciou quando será lançado e, por esse motivo, o livro ainda não chegou às livrarias. O livro foi retirado da pré-venda em plataformas como a Amazon e das montras digitais de qualquer livraria, além de ter todos os vestígios apagados do site da editora.
Algumas livrarias locais, como a Luces (Málaga), a Alberti (Madrid) e a Palas (Sevilha) confirmaram ao jornal espanhol "El Razón" que também não vão começar vender esta quarta-feira o livro de Luisgé Martín. Já as duas maiores cadeias nacionais de livrarias, a La Casa del Libro e a FNAC, declararam não ter registo de "El odio" ter sido vendido nas suas várias lojas.
No entanto, mesmo que seja lançado, pode nem chegar a várias livrarias do país. De acordo com o jornal espanhol "El Mundo", pelo menos seis empresas em Espanha decidiram não vender o livro, independentemente da decisão judicial sobre o assunto.
A "Librería Carmen", em Madrid, recusou-se a vender o livro e usou as redes sociais para incentivar outras livrarias a fazer o mesmo. Alma de Miguel, da "Librería Carmen", acredita que todos "são livres de comprar livros e outras coisas", mas não querem vender o livro porque serviria para lucrar com a dor de Ruth Ortiz.
A mesma opinião é partilha pela livraria "Cámara" de Bilbau. "Não queremos isso, não nos sentimos confortáveis com isso. É uma questão que nos toca profundamente e nos comove", disse Javier Cámara, da livraria, ao jornal espanhol "La Sexta".
Um dos estabelecimentos que se posicionou sobre o assunto e declarou que não venderá este livro foi a Librerías Picasso, que tem várias livrarias em Granada e Almeria. A empresária, María José Porras, explicou ao "El Mundo" que decidiram não vender o livro devido a preocupações feministas.
Outra livraria que não venderá o livro é a El Jardín Secreto, localizada na cidade de Plasencia, na Extremadura. Esta livraria alega que vender o livro daria voz ao abuso de mulheres. "Haverá pessoas mórbidas que vão querer consumir esta porcaria, mas não lhes vamos dar isso", diz Iván Nadox, proprietário com a mulher, Judith Rico, ao "El Mundo".
Em Sevilha, a livraria "Botica de lectors" decidiu simplesmente não expor o livro.
Matou filhos para se vingar da ex-mulher
O espanhol José Bretón foi condenado, em 2013, a 40 anos de prisão por matar os dois filhos, de seis e dois anos, para se vingar da mulher por o ter abandonado.
José Bretón contou que as crianças, Ruth e José, desapareceram a 8 de outubro de 2011, durante um passeio com ele num parque na cidade de Córdoba, no sul do país, um mês após a mulher o ter deixado e ter-se mudado para outra cidade com as duas crianças.
O ex-militar, de 41 anos, que sempre proclamou a sua inocência, foi detido dez dias depois por suspeita de rapto.
A Polícia drenou lagoas locais, dragou rios e fez buscas em propriedades, mas não conseguiu encontrar qualquer vestígio das crianças.
No entanto, a investigação que tomou conta de Espanha sofreu uma reviravolta em agosto de 2012, quando dois cientistas forenses contratados pela mãe das crianças determinaram que uma massa de ossos carbonizados encontrados num forno caseiro num pedaço de terra nos arredores de Córdoba, propriedade dos pais de Bretón, pertencia a uma criança de dois anos e outra de seis anos. Os peritos forenses determinaram que as crianças receberam tranquilizantes, mas não souberam dizer se ainda estavam vivas quando foram incineradas no forno.
A ex-mulher de Bretón, Ruth Ortiz, insistiu desde o início que o pai estava por trás do desaparecimento das crianças como vingança por ela o ter deixado.
Embora tenha sido condenado a 40 anos de prisão, Bretón vai cumprir uma pena máxima de 25. Atualmente, encontra-se detido na prisão de segurança máxima em Herrera de la Mancha, Ciudad Real.