Moçambique vive um clima de incerteza enquanto espera os resultados das eleições de 9 de outubro, cuja transparência é questionada. Manifestantes tomaram as ruas esta semana após o assassinato de dois apoiantes de um candidato presidencial autoproclamado vencedor.
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Qual a razão dos protestos no país?
As manifestações foram convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que concorreu com o apoio do partido Podemos. Além dos protestos ocorridos em Maputo na segunda-feira, o político apelou a uma greve geral e a dois dias de paralisação a partir desta quinta-feira, na sequência do assassinato de dois apoiantes na última sexta-feira.
A capital moçambicana testemunhou, no início da semana, bloqueios de ruas com pneus a arder e pedras. A polícia repremiu com gás lacrimogéneo uma conferência de imprensa de Mondlane, deixando pelo menos três jornalistas feridos. O Governo do país negou, todavia, que as forças de segurança tinham uma "intenção objetiva" de disparar contra os profissionais, alegando que os jornalistas estavam posicionados num local onde estavam manifestantes que as autoridades pretendiam dispersar.
O que aconteceu na "emboscada" aos apoiantes de Venâncio Mondlane?
Elvino Dias, advogado de Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, foram mortos às 23.20 horas de sexta-feira (22.20 em Portugal continental) no centro de Maputo. A "emboscada", como classificou a própria polícia, deixou ferida ainda uma ocupante do carro onde estavam os dois homens.
"Foram abordados e bloqueados por duas viaturas ligeiras de onde saíram indivíduos que, munidos de armas de fogo, fizeram vários disparos que provocaram ferimentos e a morte dos indivíduos acima identificados", disse à agência Lusa o porta-voz da Polícia de Moçambique da cidade de Maputo, Leonel Muchina. O episódio aconteceu após uma confraternização das vítimas num mercado de Maputo, onde "supostamente" houve uma "discussão relacionada com assuntos conjugais" e Dias e Guambe "posteriormente terão sido seguidos", contou o porta-voz.
O assassinato foi condenado por diversos ex-presidentes moçambicanos e figuras internacionais, incluindo o secretário-geral da ONU, António Guterres. O funeral do advogado de Mondlane está marcado para esta quarta-feira, com o candidato a pedir a presença da juventude. "Não vamos fazer distúrbios, tranquilamente, vamos estar em peso na última despedida a Elvino Dias", apelou.
O que o caso tem a ver com as eleições presidenciais?
Os protestos nas ruas somaram-se à greve geral que Venâncio Mondlane já tinha convocado contra os resultados das eleições gerais de 9 de outubro. O crime, que o Podemos acusa de ter motivações políticas, colocou combustível num cenário político já de desconfiança.
Num país governado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) há 49 anos, acusações de fraude dominaram as autárquicas de 2023. O escrutínio deste ano, que incluía eleições presidenciais, legislativas e provinciais, contou com observadores internacionais, como a União Africana, que destacou que a votação ocorreu de "forma pacífica e ordeira", sem o registo de "irregularidades importantes". A missão da União Europeia observou, contudo, alguns casos de "enchimento de urnas" e apontou uma "distorção evidente das condições a favor do partido no poder no decurso da campanha". Além disso, eleitores na Alemanha e na província da Zambésia votaram apenas no dia 12 devido a atrasos na chegada do material eleitoral.
A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) exigiu a anulação do apuramento dos resultados em oito distritos desta mesma província. O maior partido de oposição denunciou que os seus delegados foram impedidos de acompanhar o processo.
O que esperar dos resultados das urnas?
Daniel Chapo, da Frelimo, era visto como o favorito para ganhar. A Zambésia, segunda província mais populosa, deu 73% dos votos a Chapo, enquanto Venâncio Mondlane obteve 14,7%.
Venâncio Mondlane, que era da Renamo antes de concorrer com o apoio do Podemos, pode superar o antigo partido e ficar em segundo lugar a nível nacional. Apesar de a Comissão Nacional de Eleições (CNE) ter 15 dias para publicar os resultados - prazo que se encerra esta quinta-feira -, o opositor declarou-se vencedor no dia seguinte às eleições, com uma contagem paralela. Um porta-voz da CNE criticou a "ética" da autoproclamação de Mondlane.
