A relação entre Donald Trump e Elon Musk, que parecia uma aliança inabalável na Casa Branca, desmoronou-se, na quinta-feira, em público e com todo o Mundo a ver. Como chegámos aqui e o que acontece a seguir?
Corpo do artigo
Uma discordância sobre a lei fiscal de Trump intensificou-se nos últimos dias, com Musk a considerá-la mesmo uma "abominação repugnante". O verniz estalou na quinta-feira, em pleno X (rede social anteriormente conhecida como Twitter que é propriedade do multimilionário). Duas das pessoas mais poderosas do Mundo, antes aliados, viraram-se uma contra a outra, numa guerra de palavras à vista de todos que parece ter posto fim ao seu "bromance".
Na rede social, Musk lançou ataques pessoais contra Trump, culminando numa alegação, feita sem dar provas, de que Trump está nos "arquivos Epstein". Os documentos, relacionados com o falecido agressor sexual Jeffrey Epstein, incluem registos de viagens e listas de convidados relacionados com ele e com os seus associados. Parte dos arquivos de Epstein permanece em segredo, despertando curiosidade e teorias da conspiração sobre quem pode estar mencionado nos documentos.
Trump, por sua vez, alegou que pediu a Musk que deixasse o seu cargo na Casa Branca e sugeriu o corte dos subsídios governamentais e dos contratos concedidos às empresas do multimilionário.
A lua de mel
Há uns meses, a dupla Trump-Musk parecia ser uma força política inquebrável. O empresário gastou quase 200 milhões de dólares (175 milhões de euros) para apoiar a campanha presidencial de Trump, ajudando-o a derrotar a democrata Kamala Harris e a ser eleito para um segundo mandato na Casa Branca.
Em troca, dias após a eleição bem-sucedida, Trump nomeou Musk para liderar uma agência de cortes governamentais, o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês). Até o nome do departamento refletia a margem de manobra que o multimilionário tinha na administração Trump, uma vez que a palavra "doge" refere-se a um meme da internet de um cão, o favorito de Musk, que se tornou popular em 2010.
Musk tornou-se uma das figuras mais proeminentes do governo. Sob a sua liderança, o DOGE despediu milhares de funcionários federais e eliminou várias agências, incluindo a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Numa frente unida perante as críticas públicas, Trump e Musk continuaram a elogiar-se mutuamente. "Ele faz o que pode. É um líder", disse Trump sobre Musk numa entrevista à "Fox News". "Adoro o presidente. Só quero deixar isto claro", respondeu o multimilionário.
Da companhia do filho do Musk ao "showroom" da Tesla
O presidente e o magnata da tecnologia pareciam passar a maior parte do tempo juntos nas primeiras semanas do regresso de Trump ao poder. Viajaram juntos no Air Force One e no helicóptero Marine One e Musk dormiu na Casa Branca, onde se gabou de ter comido um pote inteiro de gelado. Juntos, também assistiram a lutas de artes marciais mistas.
As suas aparições públicas também tiveram momentos caricatos, como a presença do filho de Musk, X Æ A-Xii, mais conhecido por "Lil' X" na Sala Oval durante a sua primeira conferência de imprensa desde a chegada a Washington.
Além disso, depois da Tesla ter sofrido um duro golpe devido à amizade de Trump e Musk, o presidente norte-americano transformou o Pórtico Sul da Casa Branca num "showroom pop-up" da Tesla para Musk, com um Cybertruck e um Model S estacionados no exterior. Trump chegou a dizer que tinha comprado um.
X: rede social para elogiar e para desaprovar
Musk começou a defender visões de direita nos últimos anos e passou a criticar abertamente os democratas e os progressistas, nomeadamente depois de comprar o X em 2022. À medida que começou a inclinar-se para a direita, usou a plataforma para criticar a migração irregular e os esforços que acreditava visarem policiar a liberdade de expressão, particularmente no que diz respeito à política identitária e à pandemia de covid-19.
Inicialmente, o empresário apoiou o rival republicano de Trump na corrida presidencial de 2024, Ron DeSantis, chegando a apresentar o lançamento da campanha para governador da Florida no X. No entanto, quando Trump foi vítima de uma tentativa de assassinato, em julho do ano passado, na Pensilvânia, Musk anunciou que "apoiaria totalmente" o líder republicano.
Recorrendo ao X, o multimilionário elevou o estatuto do futuro presidente dos EUA, apoiando a sua campanha, tanto moral como financeiramente. Mas a rede social não serviu apenas para elogiar Trump, serviu também para o criticar duramente em praça pública na quinta-feira. "Sem mim, Trump teria perdido as eleições, os democratas controlariam a Câmara e os republicanos estariam em 51-49 no Senado", escreveu Musk.
O afastamento
A rutura explosiva da relação entre Trump e Musk surgiu após meses de rumores sobre conflitos à porta fechada entre o multimilionário e o círculo próximo do presidente.
Em abril, Musk anunciou que iria passar menos tempo no DOGE e, no final de maio, criticou a proposta de lei fiscal e orçamental apoiada pela Casa Branca. "Fiquei desapontado ao ver o enorme projeto de lei de despesas, francamente, que aumenta o défice orçamental, em vez de o diminuir, e prejudica o trabalho que a equipa do DOGE está a fazer", afirmou Musk ao programa de televisão "CBS Sunday Morning".
O projeto de lei corta os subsídios aos veículos elétricos que impulsionam a Tesla, a empresa de Musk. Surpreendentemente, no início, o notoriamente conflituoso presidente dos EUA manteve a calma, admitindo não estar satisfeito "com certos aspetos" do projeto de lei.
A dupla fez, mais tarde, uma aparição pública na Sala Oval, onde Trump se despediu de Musk, entre elogios. “Ele ofereceu-se para pôr o seu grande talento ao serviço do nosso país, e nós agradecemos isso. E só quero dizer que Elon trabalhou incansavelmente, ajudando a liderar o programa de reforma governamental mais radical e de maior alcance em gerações”, referiu o presidente norte-americano. Por sua vez, Musk garantiu que continuaria a "ser um amigo e conselheiro" de Trump.
A rutura
No entanto, depois de sair do governo Trump, Musk continuou a manifestar descontentamento com o projeto de lei, desta vez de forma mais infusiva. "Peço desculpa, mas não aguento mais. Este projeto de lei de despesas do Congresso, enorme, ultrajante e cheio de carne de porco, é uma abominação repugnante", escreveu Musk no X na segunda-feira. "Que vergonha para aqueles que votaram a favor: vocês sabem que erraram. Vocês sabem disso".
Na quinta-feira, durante um encontro entre Trump e o chanceler alemão, Friedrich Merz, o presidente norte-americano foi questionado sobre as críticas de Musk ao projeto de lei.
“Estou muito desapontado porque Elon conhecia o funcionamento interno deste projeto de lei melhor do que quase qualquer pessoa aqui presente. Ele não tinha problema nenhum com isso. De repente, tinha um problema", respondeu Trump, acrescentando que Musk estava a reagir às suas políticas para veículos elétricos e especulando que o empresário preferia ter ficado no cargo na Casa Branca. “Vou ser honesto, acho que ele sente falta do lugar. Vão embora, acordam de manhã e o glamour desapareceu. O Mundo inteiro está diferente e tornam-se hostis”.
Depois, Trump levou as suas críticas para a sua rede social Truth Social. “O Elon estava a esgotar-se, pedi-lhe para sair, retirei o seu mandato de veículos elétricos que obrigava toda a gente a comprar carros elétricos que mais ninguém queria (algo que ele sabia há meses que eu faria!), e simplesmente enlouqueceu!”, escreveu.
Entretanto, Musk respondeu à publicação dizendo que era uma "mentira óbvia" e negou conhecer o conteúdo do projeto de lei. "Não me foi mostrado o projeto de lei uma única vez", escreveu no X. Além disso, falou de ingratidão, dizendo que, sem ele, Trump teria perdido as eleições presidenciais.
A partir daí, Musk começou uma série de ataques ao presidente. O multimilionário trouxe à tona uma publicação de Trump de 2012, na qual o presidente escreveu que ninguém deveria concorrer à reeleição se não conseguisse equilibrar o orçamento e que não seria permitido qualquer défice. Respondendo com um emoji de "100", Elon Musk concordou.
Em resposta, Trump escreveu que a solução para poupar milhares de milhões de dólares no orçamento norte-americano seria acabar com os subsídios e contratos governamentais de Musk, declaração à qual o empresário imediatamente retorquiu: "A SpaceX vai começar imediatamente a desativar a sua nave espacial Dragon".
Os ataques continuaram com Musk a acusar Trump de estar incluído nos ficheiros de Epstein, que recrutou jovens menores de idade para participar em atos sexuais com pessoas famosas. Além disso, o empresário previu que "as tarifas de Trump desencadeariam uma recessão no segundo semestre deste ano" e perguntou aos seus seguidores "se é altura de formar um novo partido político nos EUA que represente os 80% da classe média". Entre mais de 4,7 milhões de votos, 80,8% escolheram "sim".
O que acontece a seguir?
Entrando no campo das hipóteses, o futuro da relação entre Trump e Musk não é claro. Embora Musk tenha conquistado popularidade entre a base republicana, a sua ascensão política deveu-se, em parte, à sua associação com Trump e, agora, pode ser odiado tanto por democratas como por republicanos. Já o presidente norte-americano já sobreviveu a vários escândalos públicos, incluindo acusações criminais.
Trump alertou para os riscos das empresas de Musk, incluindo a SpaceX e a Starlink. Ainda assim, Musk também poderia prejudicar a agenda do líder norte-americano se, por exemplo, cumprisse a sua ameaça de desativar um foguetão da SpaceX que os EUA usam para chegar à Estação Espacial Internacional - advertência que acabou por retirar mais tarde. No entanto, há outras ferramentas que podem ser usadas. O empresário poderá alinhar-se com legisladores fiscalmente conservadores para bloquear o projeto de lei fiscal de Trump no Senado.
Por outro lado, o presidente norte-americano já desvalorizou a situação, dizendo ao "Politico" que "está tudo bem". Segundo o jornal, os assessores da Casa Branca marcaram uma chamada com Musk para esta sexta-feira.