Recém-nascidos internados em caves sem luz natural, "muito quentes e com ventilação escassa". Profissionais de saúde exaustos depois de dois anos de pandemia e cinco meses de guerra. O médico e deputado português Ricardo Baptista Leite está em missão humanitária no Hospital Regional de Lviv, na Ucrânia, e contou ao JN as condições "chocantes" em que se trabalha. Ao mesmo tempo, está a dar voz a uma campanha de angariação de fundos para ajudar a equipar uma nova maternidade.
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Nos pisos superiores, há sacos de areia nas janelas para poupar os vidros de eventuais explosões e junto à unidade de hemodiálise há uma enorme parede de betão construída para proteger uma cisterna de oxigénio e evitar um desastre no caso de um míssil atingir o hospital. De cada vez que as sirenes da cidade tocam, começa o rebuliço. Os doentes são deslocados à pressa para os pisos subterrâneos com todo o equipamento médico que é possível transportar.
No caso da unidade de cuidados intensivos dos bebés recém-nascidos, o hospital optou por mantê-la sempre nos bunkers por ser impossível deslocar todo o equipamento de cada vez que tocam as sirenes. "Os cuidados intensivos neonatais são um mundo subterrâneo", conta Ricardo Baptista Leite, que filmou e fotografou os espaços para ajudar a contextualizar.
Desde que chegou a Lviv, há cerca de uma semana, "as sirenes já tocaram três vezes". Assim que soam, os partos também são transferidos para debaixo de terra. "Já nasceram sete bebés nos bunkers desde o início da guerra", relata o deputado do PSD.
O médico viajou a convite da Associação dos Ucranianos em Portugal e do Governo regional de Lviv, numa missão de duas semanas. Além da ajuda no hospital, Ricardo Baptista Leite está a dar voz a uma campanha de angariação de fundos promovida pela associação para ajudar o hospital a comprar equipamento para uma nova maternidade.
"A reconstrução da maternidade foi interrompida por falta de verbas devido à guerra, mas é um investimento prioritário", explicou Ricardo Baptista Leite.
Os donativos vão servir para comprar um gerador a diesel, que garanta o fornecimento ininterrupto de energia à maternidade e unidade de cuidados intensivos de recém-nascidos, para adquirir e instalar uma tubulação de oxigénio de maior dimensão para a mesma unidade e para um sistema de ventilação e exaustão. No total, o investimento previsto é de 180 mil euros e os donativos podem ser feitos no site da associação Ucrânia Portugal.
"Duas realidades paralelas" ao sabor das sirenes
O Hospital Regional de Lviv é, segundo Ricardo Baptista Leite, comparável aos hospitais de S. José ou Curry Cabral, em Lisboa. Tem cerca de 200 camas de internamento e dois mil funcionários, que nos últimos cinco meses não tem mãos a medir para o aumento da procura.
Lviv é a cidade para onde têm rumado grande parte dos ucranianos deslocados pela guerra, somando mais 300 a 400 mil habitantes do que o habitual.
Tanto na cidade como no hospital, o dia-a-dia vive-se em "duas realidades paralelas". No hospital, enquanto as sirenes estão em silêncio, decorre a atividade assistencial, como as consultas e as cirurgias. Assim que tocam, a maior parte dos doentes e profissionais de saúde ruma às caves. No exterior, há outro sinal da pressão da guerra: uma tenda para "lavar e desinfetar" as vítimas no caso de um eventual ataque químico, antes de entrarem para o edifício hospitalar.
Na cidade, durante o dia, "as pessoas tentam manter uma vida normal, não têm medo de andar na rua, vão aos restaurantes e aos cafés e a Ópera já iniciou a temporada, apesar do contexto da guerra", conta o médico. A partir das 23 horas, há recolher obrigatório e "não se vê vivalma na rua".