O presidente da República da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, disse, em entrevista à Lusa, que não tem medo do povo, nem o povo tem de ter medo dele, apesar do aparato militar que o acompanha.
Corpo do artigo
Embaló disse acreditar que o povo está com ele, assegurou que interage com as pessoas, que faz questão de estar junto delas, e justificou a segurança que o rodeia com a cultura de golpes de Estado e de violência política na Guiné-Bissau.
“Houve duas vezes golpe de Estado no meu mandato. Aqui na Guiné, não fazem golpe, matam. Infelizmente, nós herdámos uma cultura de violência, o que é uma vergonha. Esquartejaram aqui o presidente ‘Nino’ [Vieira], mataram o Amílcar Cabral”, concretizou.
Nos cinco anos de mandato, a primeira das duas alegadas tentativas de golpe de Estado ocorreu em fevereiro de 2020 e a segunda na madrugada de 01 de dezembro de 2023.
Numa entrevista à Lusa de balanço do mandato, Embaló garantiu que, antes disso, andava de bicicleta, a pé, nas ruas, com três pessoas, mas que agora tem de andar rodeado de uma força de dezenas de militares armados.
“Eu tenho direito à vida, tenho que andar assim. Tentaram matar-me, mas o dia que eu vou sair daqui é porque Deus quis”, afirmou.
O presidente reconheceu as dificuldades da população guineense e afirmou-se preocupado, mas salientou que não pode fazer milagres.
“Eu herdei um país que estava por terra há 45 anos”, declarou o chefe de Estado, assegurando que quer ter um país onde se possa “de facto ter tudo”.
Apesar de garantir que a Guiné-Bissau está em mudança, Embaló reconheceu que ainda não tem soluções para todos os problemas.
Os únicos recursos, segundo o presidente, são a agricultura e as pescas, insuficientes para gerir um país onde o custo de vida é superior às posses conferidas pelos salários, com os funcionários públicos a receberem uma média de 90 euros por mês e um médico cerca de 250 euros.
“A única coisa que nós podemos ter é o rigor e esse rigor passa pelo combate à corrupção de grandes e pequenos bandidos, os ‘coronavírus’ políticos”, declarou.
Para colmatar as necessidades financeiras do país, Embaló disse apostar no programa do Fundo Monetário Internacional (FMI), que tem feito sucessivas avaliações positivas e desbloqueado verbas à Guiné-Bissau.
Embaló tem declarado como bandeira o combate à corrupção, para o qual afirma ter um papel de “disciplinador”, enquanto a oposição se dirige ao chefe de Estado como “ditador”.
“[Em Portugal] só houve um erro de nome, isso levou à demissão do meu amigo Costa [ex-primeiro-ministro português], mas aqui [na Guiné-Bissau] os políticos, a maior parte deles, são bandidos, gatunos, [e] quando é notificado pelo Ministério Público, é perseguição política. Se isso é uma ditadura, eu assumo ser ditador”, afirmou.
Umaro Sissoco Embaló lamentou que a Guiné-Bissau tenha “políticos deste nível” e que haja filhos da terra que falam mal do país.
Sobre os ataques que lhe fazem, disse que “não aquecem, nem arrefecem”, nomeadamente sobre prisões, agressões e perseguições.
Insistiu que não proibiu as manifestações no país e reiterou que desordem e caos na rua não é democracia.
"Quando jogam o Benfica e o Sporting, os adeptos podem sair, mas só porque alguém não pertence ao Governo ou saiu do Governo, isso não", declarou.
Umaro Sissoco Embaló afirmou-se “suprapartidário” no “país com mais partidos do mundo” (acima de 50 forças políticas legalizadas) e partilhou que, quando o presidente convoca os partidos políticos, há alguns que nem sede têm e pedem para entregar o convite “no passeio junto ao Império [café]”.
À pergunta sobre se poderá seguir o exemplo de alguns países vizinhos, que estão a ilegalizar partidos políticos, respondeu que, sobre isso, “o tribunal é que tem que fazer o papel dele”. “Eu não posso fazer, depois vão-me começar a chamar ditador”, assinalou.
Quer Constituição com pendor presidencial
Embaló disse à Lusa que, na próxima revisão constitucional, irá propor que o país adote o semipresidencialismo com pendor presidencial, ao contrário da atual tendência parlamentar.
Numa entrevista à Lusa, em que Embaló admitiu “todas as perguntas”, o chefe de Estado guineense comentou a sua visão sobre o regime que o país deve adotar com a revisão constitucional que, disse, irá avançar proximamente.
Em maio de 2020, três meses após assumir a presidência da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló instituiu uma comissão de juristas para propor um novo texto constitucional, mas a medida foi rejeitada pela classe política que defende que o presidente não pode ter iniciativa de revisão da Constituição, a qual atribui esta prerrogativa à Assembleia Nacional Popular.
Na entrevista à Lusa, Embaló afirmou que "este processo vai avançar, só está adormecido, mas vai avançar".
"Não é para fortificar o presidente da República, porque o presidente da República da Guiné-Bissau é o chefe do executivo. Eu defendo esse regime que nós temos aqui com pendor presidencialista, não defendo o presidencialismo", declarou.
A atual Constituição guineense prevê que o presidente da República pode presidir ao Conselho de Ministros, “quando entender”, mas estipula que “o Primeiro-Ministro é o Chefe do Governo, competindo-lhe dirigir e coordenar a ação deste e assegurar a execução das leis”.
Sissoco Embaló disse querer que a nova Constituição passe a ter como “novidades” o Tribunal Constitucional e os conselhos consultivos económico e ambiental.
Sem aceitar o rótulo de “chefe único”, como em várias ocasiões se autodenominou, Embaló realçou que admite a separação de poderes, contudo, considera-se “a cabeça do Estado” por ser o presidente da República.
“O Estado tem cabeça, quem está no topo da cabeça é o Chefe de Estado. Aqui não há monarquia, há separação de poderes. Mesmo num sistema mais absolutista, mesmo na Coreia do Norte, há divisão, mas o único órgão é o presidente, o presidente da Assembleia, primeiro-ministro não são órgãos”, enfatizou.
A separação de poderes do Estado existe na Guiné-Bissau, mas Embaló afirmou que, “se quiser”, faz um decreto e convoca os deputados ao parlamento, profere o seu discurso e fecha a sessão, mesmo com a assembleia dissolvida desde dezembro de 2023.
A Constituição guineense prevê que o PR pode “convocar extraordinariamente a Assembleia Nacional Popular sempre que razões imperiosas de interesse público o justifiquem”.
O presidente guineense aproveitou para dar o seu ponto de vista sobre o fim do seu mandato de cinco anos, que, para a oposição, ocorreu no passado dia 27 de fevereiro, mas que o próprio defende que só termina no dia 04 de setembro.
Para Umaro Sissoco Embaló, o contencioso eleitoral que se seguiu à segunda volta das presidenciais de dezembro de 2019 motivou “uma situação de suspense” no país, também por existirem, então, dois presidentes da República.
Embaló fazia alusão ao facto de o então presidente do parlamento, Cipriano Cassamá, ter sido indicado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) - que suportava a candidatura do seu oponente nas presidenciais, Domingos Simões Pereira - como “presidente da República”, já que, segundo a Constituição, em caso de impedimento, o cargo passa a ser assumido interinamente pelo presidente da Assembleia Nacional.
Esta situação, disse Embaló, juridicamente consubstanciou “um ato suspensivo”, o que levou elementos da comunidade internacional que o tinham felicitado como novo presidente da Guiné-Bissau a retirarem as felicitações.
O presidente guineense lamentou que a situação se tenha arrastado durante nove meses, entre fevereiro e setembro de 2020, quando o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nas vestes de Tribunal Constitucional, encerrou o contencioso eleitoral, confirmando-o como vencedor.
Embaló salientou que, à luz do atual texto, “é a única pessoa que pode interpretar” para decidir sobre a existência ou não de uma grave crise entre as instituições do Estado.
Foi o que fez quando, em dezembro de 2023, dissolveu o parlamento que havia sido eleito em junho do mesmo ano, mesmo admitindo ter ido contra a norma constitucional que impede a dissolução do órgão num prazo de 12 meses após a sua constituição, salientou.
“O legislador não pode prever tudo (…) aí é que entra a posição política”, disse Embaló, em alusão ao facto de ter dissolvido o parlamento com base numa crise política resultante de uma alegada tentativa de golpe de Estado, de que acusou o órgão legislativo de ter sido “coadjuvante”.
Acredita que ex-aliados vão estar com ele na reeleição
O chefe de Estado guineense disse acreditar que os seus antigos aliados políticos, com os quais está atualmente desavindo, vão apoiar a sua candidatura à reeleição à presidência da Guiné-Bissau em novembro próximo, “por não terem outra opção”.
Umaro Sissoco Embaló transmitiu essa confiança à Lusa numa entrevista em que abordou, sem restrições, todos os temas da atualidade política, económica e social da Guiné-Bissau nos últimos cinco anos.
Embaló disse ser "claro" que se recandidata nas presidenciais de novembro e reafirmou que vai ganhar “à primeira volta” com o apoio de Nuno Nabiam, Braima Camará e Fernando Dias, três dos principais rostos da sua oposição.
Nas eleições presidenciais de 2019, Embaló contou com os apoios de Nabiam, Camará e Dias, mas, entretanto, os três afastaram-se do seu campo político e criaram a Aliança Patriótica Inclusiva (API) ‘Cabas Garandi’ (Cabaça Grande).
“Os que me tinham apoiado em 2019 não têm outro candidato senão Umaro Sissoco Embaló. Não têm outro caminho, a solução do país é Umaro Sissoco Embaló”, enfatizou.
Segundo Embaló, a confiança de que vai ganhar as próximas eleições é sustentada também pelos apoios de novos aliados que está a criar para um escrutínio simultâneo, legislativas e presidenciais.
Em novembro de 2024, Embaló adiou as legislativas antecipadas, devido à dissolução do parlamento em dezembro de 2023, por falta de condições técnicas e financeiras, mas garantiu que em novembro próximo os dois escrutínios vão mesmo acontecer.
Dando o exemplo de Portugal, onde o presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolveu o parlamento por três vezes, Umaro Sissoco Embaló afirmou não entender porque se diz que há crise na Guiné-Bissau quando se toma a mesma decisão.
Para Embaló, não é aceitável que se diga que as circunstâncias de dissolução do parlamento nos dois países são diferentes, salientando que decorre dos poderes que os dois chefes de Estado têm a partir da Constituição.
Independentemente de o seu mandato terminar em fevereiro passado (como afirma a oposição, tomando como referência a sua tomada de posse) ou setembro próximo (como é seu entendimento, face à decisão judicial que lhe atribuiu a vitória), Embaló lembrou que a Constituição guineense determina que as eleições presidenciais se façam entre outubro e novembro decorridos cinco anos da eleição do presidente.
Salientando que a situação não é nova na Guiné-Bissau, o chefe de Estado invocou uma decisão judicial de 2019 que deu razão ao então presidente da República, José Mário Vaz, sobre o período do fim do seu mandato.
Para Embaló, toda a polémica suscitada pela oposição sobre o assunto “é apenas barulho” e lembrou que a mesma o chamou de autoproclamado quando assumiu a presidência guineense, em fevereiro de 2020, e agora o considera presidente cessante.
Acrescentou que não se importa com os epítetos, por ser “o único interlocutor” do país.
Umaro Sissoco Embaló também afirmou não se importar com o que vai dizendo o seu principal opositor na Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, que é líder do PAIGC e presidente eleito do parlamento, entretanto demitido do cargo.
Para Embaló, “Simões Pereira é um falhado, alguém que não aceita os resultados eleitorais”, numa referência à contestação eleitoral movida pelo seu opositor em 2019.
Considerou igualmente falhada a missão de uma delegação política da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que esteve em Bissau em fevereiro e que o presidente guineense expulsou do país por se ter "desviado do roteiro inicial”.
A missão tentou aproximar as partes desavindas, presidente e oposição, sobre o calendário eleitoral, mas Embaló não gostou que tenha auscultado os seus opositores.
“A Guiné-Bissau é um país soberano, a CEDEAO não é soberana”, sublinhou Sissoco Embaló, que disse desconhecer qualquer constrangimento resultante da decisão de expulsão da missão, a qual ainda não divulgou conclusões.