Marine Le Pen já faz exigências. Esquerdas rejeitam chapéu da NUPES. Presidente e Executivo forçados a coligações para poderem governar.
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A Assembleia Nacional francesa fecha esta terça-feira o mandato iniciado em 2017. A 16.ª legislatura abre-se oito dias depois, com a instalação do novo hemiciclo. A primeira sessão será já a evidência da nova ordem, estabelecida pelas legislativas de anteontem. Emmanuel Macron e a coligação Ensemble! perderam a base maioritária que lhes sustentava o Executivo e veem-se agora entre as tenazes das esquerdas, até ontem federadas por Jean-Luc Mélenchon, e da extrema-Direita, que saiu das urnas a cantar vitória.
Marine Le Pen até já exige pelo menos um dos seis vice-presidentes do hemiciclo, bem como a presidência de uma das oito comissões parlamentares, no caso a das Finanças. A ordem é para negociar. A perspetiva é de um "terramoto político", como antecipa a imprensa gaulesa.
Nas 15 legislaturas da V República, só por duas vezes, em 1958 e 1986, com Charles de Gaulle e François Miterrand no Eliseu, houve executivos com maioria relativa. Desta vez, será Macron que terá de procurar acordos, à direita e à esquerda, o que não se afigura nada fácil.
O Ensemble! (Juntos!) elegeu 245 deputados (38,57%) e precisa da aliança de mais 44 parlamentares para obter maioria absoluta (289 entre 577 assentos). Problema: a NUPES, de Mélanchon (131 deputados) e a União Nacional, de Marine Le Pen (89), são opções declaradamente incompatíveis e até Les Republicains - Os Republicanos (LD) -, quarta força (61), sempre apontados para possível coligação, negam qualquer pacto com Macron.
Esquerdas dispersas
No entusiasmo da noite eleitoral, o líder da NUPES ainda dizia ser possível chegar ao Governo. Todavia, a realidade foi distinta. Mélenchon não só não teve o reclamado apoio dos "fachos fachés", dos "fachos zangados com a extrema-Direita", como corre o risco de perder protagonismo político, porque não será nem primeiro-ministro nem deputado. Os aliados de circunstância - ambientalistas, socialistas e comunistas - rejeitaram, esta segunda-feira, formar um único grupo parlamentar com a etiqueta da NUPES, o que nem sequer tem relevância particular, porque todas as coligações tem extinção na noite das eleições, sem que cesse a aliança política.
Já Marine Le Pen sai da presidência da União Nacional para se concentrar na liderança do primeiro grupo parlamentar do partido, composto por uma representação histórica de 89 deputados (eram oito na anterior legislatura).
Neste cenário de fragmentação eleitoral a primeira questão que se coloca é sobre a própria governabilidade da França. "É uma situação sem precedentes. Será necessária muita imaginação para governar", admite o ministro da Economia, Bruno Le Maire.
"Esta situação constitui um risco para o nosso país, tendo em conta os desafios que temos de enfrentar tanto a nível nacional, como a nível internacional. Mas temos de respeitar a votação e tirar as devidas consequências. Construiremos uma maioria de ação: não há nenhuma alternativa a essa união para garantirmos a estabilidade para o nosso país e levarmos a cabo as reformas necessárias", atalhou a primeira-ministra, Elisabeth Borne.
O artigo constitucional de força extraordinária
Se não conseguir aprovar as reformas propostas, o presidente poderá dissolver a Assembleia Nacional antecipadamente e convocar novas eleições, como fez em 1988 o presidente socialista François Miterrand (1981-1995).
Emmanuel Macron também poderá recorrer a um expediente considerado como uma medida excecional, sempre de consequências imprevisíveis, porque suscita uma moção de censura ao Governo em 24 horas, a votar em 48 horas.
Essa medida extraordinária está contemplada na própria Constituição. É o famoso artigo 49.3, que permite adotar projetos de lei sem passagem pelo Parlamento e com "total responsabilidade do Governo", nas áreas das Finanças e do financiamento da Segurança Social.
Este artigo pode ser usado pelo Governo uma vez por cada sessão parlamentar e é considerado como um meio, julgado pouco republicano, de o Executivo exercer o primado sobre o Parlamento e que pode inverter a responsabilidade política de uma moção de censura.
O recorde de recurso a esta saída constitucional é detido por Michel Rocard: entre 1988 e 1991, o primeiro-ministro de François Mitterand usou o 49.3 em 24 ocasiões.