O Hamas lançou este sábado uma ofensiva surpresa contra Israel, provocando centenas de mortos e feridos em ambas as partes do conflito. Como aconteceu e o que se vai seguir?
Corpo do artigo
Os israelitas não estavam a contar com o ataque?
O choque sentido pelos israelitas na manhã de sábado, durante o Simchat Torah, um dos dias mais alegres do calendário judaico, fez lembrar a surpresa do conflito do Médio Oriente de 1973, a chamada Guerra do Yom Kippur. Há 50 anos e um dia, um ataque em grande escala do Egito e da Síria durante um feriado judaico transformou-se num desastre para um exército israelita inexperiente. Os egípcios e os sírios queriam recuperar os dois territórios, tomados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967.
A retaliação vai acontecer? E vai ser proporcional?
Israel já começou a retaliar. Ninguém duvidava que Israel iria retaliar. A dúvida não era “se”, mas “quando”. Se a resposta ao longo dos próximos tempos vai ou não ser proporcional, ninguém sabe. Não fazer nada esteve sempre fora de questão. Daria o sinal errado aos inimigos. Os apoiantes do Governo esperam que Netanyahu e ministros “linha dura” adotem uma postura agressiva em relação aos palestinianos e respondam de forma enérgica. Uma resposta demasiado brutal até pode serenar os ânimos palestinianos no curto prazo, mas aumenta o legado de ódio no médio e longo prazos.
Como foi possível este ataque do Hamas?
Numa escalada dramática nunca antes vista em décadas, o Hamas usou neste ataque parapentes, de acordo com as Forças Armadas israelitas. Este ataque recordou um outro levado a cabo no final dos anos 1980, quando militantes palestinianos atravessaram do Líbano para o norte de Israel em asa-delta e mataram seis soldados israelitas.
O que motivou esta investida?
Segundo representantes do Hamas, a tensão acumulada é muita entre Israel e os palestinianos, nomeadamente devido à disputa em torno da Mesquita de Al-Aqsa, que é sagrada tanto para muçulmanos como para judeus e continua a ser o coração emocional do conflito israelo-palestiniano. As reivindicações concorrentes sobre o local, conhecido pelos judeus como o Monte do Templo, já causaram distúrbios no passado, incluindo uma sangrenta guerra de 11 dias entre Israel e a Hamas em 2021. Mais recentemente, as tensões aumentaram com protestos palestinianos violentos ao longo da fronteira de Gaza.
A sociedade israelita está coesa?
Coincidência ou não, a irrupção da violência ocorre num momento difícil para Israel, que enfrenta os maiores protestos da sua história devido à proposta de Netanyahu de enfraquecer o Supremo Tribunal, numa altura em que ele próprio está a ser julgado por corrupção. Centenas de reservistas ameaçaram deixar de se voluntariar para se apresentarem ao serviço em protesto contra a reforma judicial. Os reservistas são a espinha dorsal do exército, e os protestos no seu seio suscitaram preocupações sobre a coesão, prontidão operacional e poder de dissuasão do exército. No sábado, dia do ataque, Netanyahu convocou "uma extensa mobilização de forças de reserva".
A liderança israelita beneficia do atual contexto?
A queda nas sondagens de “Bibi”, como é conhecido o primeiro-ministro israelita, era já um facto bem visível, mas é muito provável que este ataque do Hamas sirva de elixir para a sua popularidade. Não seria a primeira vez que isso sucederia com a liderança israelita. Na realidade, os líderes, mesmo que enfraquecidos em termos de popularidade, renascem quando é necessária a união nacional contra um inimigo comum. Foi isso que sucedeu no passado com George W. Bush, ex-presidente dos EUA, na sequência da resposta militar norte-americana aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001.
Podemos esperar um cessar-fogo?
Israel e a Hamas travaram quatro guerras e trocaram tiros inúmeras vezes desde que o grupo islâmico assumiu o controlo de Gaza das forças leais à Autoridade Palestina em 2007. Os acordos de cessar-fogo pararam os principais combates em algumas fases do conflito, mas nunca foram muito respeitados pelas partes, durando pouco tempo. O mais provável, é que o cessar-fogo só aconteça depois de uma resposta contundente de Israel. Quando chegar o momento de negociar, é provável que o Hamas exija mais concessões em questões-chave, como o alívio do bloqueio e a libertação de prisioneiros detidos por Israel.
A Rússia pode beneficiar com este conflito?
A resposta é incerta. No entanto, é certo que o Kremlin irá explorar ao máximo este reacender da guerra, apesar de já ter apelado à paz. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev, que é vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, disse no X (Twitter): “Os confrontos entre o Hamas e Israel no 50.º aniversário da Guerra do Yom Kippur são um desenvolvimento esperado. É nisso que Washington e os seus aliados deveriam estar ocupados. O conflito entre Israel e a Palestina já dura décadas, sendo os EUA o principal interveniente”. O instituto de estudos políticos norte-americano ISW refere que Moscovo já deu início às operações de propaganda para difundir a ideia de que o Ocidente está a negligenciar o Médio Oriente, concentrando-se demasiado na guerra russo-ucraniana.
A diplomacia tem amenizado o conflito?
Aparentemente, não. Nas negociações com o Qatar, Egito e as Nações Unidas, o Hamas exigiu concessões israelitas, algo que poderia aliviar o bloqueio de 17 anos no enclave e ajudar a travar a crise financeira. Alguns analistas políticos ligaram o ataque do Hamas às atuais negociações mediadas pelos EUA para a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita. Até agora, os relatos de possíveis concessões aos palestinianos nas negociações envolveram palestinianos na Cisjordânia ocupada e não em Gaza.
Quais são os maiores pontos de tensão?
Há questões mais ou menos negociáveis, mas outras são de muito difícil resolução. Jerusalém é o maior problema. Israel reivindica a soberania sobre a cidade (sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que é a sua capital depois de tomar a parte oriental em 1967. Isto não é reconhecido internacionalmente. Os palestinianos querem que Jerusalém Oriental seja a capital deles. Exigem ainda que o futuro Estado corresponda às fronteiras anteriores a 4 de Junho de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias. Israel rejeita a proposta. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, há mais de meio milhão de colonos judeus, sendo outro ponto de discórdia. Por outro lado, Israel recusa abrir as portas aos milhões de refugiados palestinianos que estão no estrangeiro.