Xanana Gusmão lembrou, em Coimbra, que Timor-Leste só começou a desenvolver-se depois de alcançada a estabilidade, em 2008.
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O antigo presidente timorense esteve em Coimbra, numa conferência em que falou do G7+, associação que engloba 20 países em situação de fragilidade ou conflito. Destaca o desenvolvimento de Timor-Leste ao longo dos últimos 30 anos, apesar de alguma instabilidade, mostra-se muito pessimista em relação ao futuro dos países mais fragilizados, sobretudo com a pandemia, e lamenta a falta de diálogo interno atualmente em Timor-Leste, mas culpa o responsável da Fretilin.
Representa uma associação que envolve alguns dos países em situação mais frágil do Mundo. Que ponto da situação faz desses países?
Faço um retrato muito pessimista, mas depende sobretudo da decisão dos líderes mundiais. Temos reparado que, invés de negociação, os países em conflito tentam sempre ameaçar. Veja-se o caso da Bielorrússia. Se na Europa se faz isto, imaginem só noutros países.
Pode dar um caso em particular dentro da associação?
Veja-se o Iémen, Estado-membro do G7+. Denunciei, nem Trump, nem Biden têm feito nada por isso. De manhã, falam em paz, à tarde, estão a vender armamento à Arábia Saudita. Saudamos um grupo de senadores americanos que se opôs à venda de armas à Arábia Saudita, porque a guerra do Iémen está a tornar-se num desastre humanitário.
Além das guerras, quais são as dificuldades dos países do G7+?
Há países onde ainda faltam pilares do Estado e são ainda mais frágeis quando falamos em situação de conflito. Não vemos com muito otimismo o futuro, sobretudo com a covid.
E esta organização tem ajudado a ultrapassar essas barreiras?
O primeiro encontro, em 2007, foi com sete países. Agora somos 20, porque outros países se foram juntando. Como a Guiné-Bissau, onde fui em 2014, e fiquei chocado. Desde 1974 até aquela altura não tinha havido eleições democráticas. Criámos uma Comissão de Eleições, um serviço administrativo. Criámos as condições para as primeiras eleições democráticas no país. Noutros países de África tivemos a mesma ação, como na República Centro-Africana, em que havia grupos armados descontrolados e, alguns meses depois, os grupos entregaram as armas.
Passaram agora 30 anos do massacre de Santa Cruz e, para o ano, Timor-Leste faz 20 anos enquanto nação independente. Como avalia estas três décadas?
A nossa experiência adquirida deu para a troca de experiências com outros países. Tivemos 24 anos de guerra, com o povo traumatizado, quando tivemos a independência entrámos num ciclo de violências e crise. O povo dividiu-se em Leste e Oeste, houve muitos refugiados internos. Aí, conseguimos resolver até 2008 e, a partir daí, conseguimos um desenvolvimento. E esse desenvolvimento não se consegue sem paz.
Numa altura de pandemia, como está a situação de infeções e de vacinação nesses países? E em Timor, concretamente?
Muito difícil. Há milhões de pessoas que ainda não receberam uma única dose. Em Timor, temos a sorte de ser uma ilha, só temos a fronteira com a Indonésia. Tentei esclarecer a população e ela aceitou. Compreendeu bem e, no geral, cooperou com as autoridades. Tem sido crítico com o Governo timorense, e o secretário-geral da Fretilin, Mari Alkatiri, disse recentemente ser impossível reatar relações.
Admite ainda um entendimento?
Não tenho sido crítico, nem tenho falado sobre isso. O nosso problema teve a ver com as negociações com a Austrália para a definição das fronteiras. A Fretilin foi sempre informada das negociações, esteve sempre dentro do assunto. O Governo que aprovou o acordo e todos os documentos foi o deste senhor. Depois de aprovado e assinado, foi ao Parlamento para ratificar e ele mandou o seu pessoal votar contra. A partir daí, nunca mais falei com ele.