Angela Merkel esteve à frente da Alemanha durante 16 anos. Quatro mandatos depois, dará lugar a um novo líder, eleito este domingo.
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Estão a chegar ao fim os dias de Angela Merkel como chanceler alemã. A dirigente que foi apelidada de Dama-de-Ferro da Europa vai deixar a liderança do país ao fim de 16 anos, durante os quais foi considerada a salvadora da estabilidade da União Europeia. Conduziu os estados-membros, incluindo Portugal, durante uma das maiores crises económicas. E conseguiu estar aberta à mudança, através do pragmatismo que a caracteriza, superando, muitas vezes, as suas próprias crenças. Mas quem é Merkel, a líder mais poderosa da Europa?
Em 16 anos de liderança, sobreviveu a escândalos, referendos, e à saída do Reino Unido da União. Durante os quatro mandatos, muitos foram os que saíram e entraram, e Merkel manteve-se inabalável - quer durante a crise económica de 2008, quer perante as ameaças de dissolução da União Europeia, e até na grande onda migratória que chegou à Europa em 2015 -, com uma política que nunca se baseou em promessas. Esteve sempre focada no aqui e no agora.
"Angela Merkel desempenhou um papel importante na consolidação da União Europeia, sobretudo nas crises da dívida soberana, do acolhimento a refugiados e do Brexit. Merkel soube, com moderação e liderança, manter esse rumo, apesar das dificuldades", disse, ao JN, José Palmeira, professor auxiliar da Universidade do Minho e especialista em Ciência Política e Relações Internacionais.
Comparando o trabalho de Merkel com o do seu antecessor democrata-cristão, Helmut Kohl (1982-1998), também ele no poder durante quatro mandatos consecutivos, que "foi fundamental, juntamente com o presidente francês, Miterrand, para a criação da moeda única e para uma maior integração e unidade da Europa", José Palmeira sublinha que a atual líder não hesitou nas decisões. "Isso teve muitas vezes custos internos, como aconteceu no caso dos refugiados, que afetou a sua última eleição".
portugal e a troika
Dar à mão aos refugiados é uma marca que fica no seu legado, diz Mónica Dias, professora do Instituto Português de Relações Internacionais.
"Ela conhece o conflito europeu e sabe o valor da liberdade. Soube evitar uma tragédia humanitária e mandou um sinal muito claro de que a Europa precisava de crescer a este nível".
Relativamente a Portugal, acrescenta José Palmeira, "o seu legado fica sobretudo marcado pelo período da troika e pelas medidas restritivas que foram impostas como contrapartida à ajuda financeira recebida. É verdade que Merkel foi criticada pela oposição de Esquerda em Portugal. Encontrou-se na ingrata posição de, por um lado, querer garantir a ajuda, mas, por outro, enfrentar a oposição interna e de outros países, entretanto apelidados de "frugais", que ou se opunham à ajuda ou defendiam medidas ainda mais restritivas ".
Internamente, Merkel perdeu, nos últimos anos, o brilho e isso poderá custar ao seu sucessor natural o lugar na chancelaria, entende Mónica Dias. "Merkel é vista de duas formas na UE e na Alemanha. Por um lado, é muito respeitada, fiável, com uma ética protestante. Por outro, faltou-lhe a garra de lançar a Alemanha. É criticada por não ter progredido na eficiência energética e na transição digital. Há um sentimento de insatisfação por não haver grandes mudanças", diz.
Dezasseis anos de Angela Merkel
2005 - O início de uma grande era
Foi aqui que tudo começou. Angela Merkel é eleita para suceder a Gerhard Schroeder como chanceler da Alemanha. Merkel herda as reformas económicas do social-democrata e logo no primeiro mandato consegue reduzir a taxa de desemprego, que cai de 11,5% para 7%.
2008 - Uma catapulta de crises
2008 foi um ano crítico para muitos dos países da União Europeia. Na Alemanha, as crises começam a acumular-se e a crise financeira - motivada pelo colapso do mercado de habitação nos EUA - atinge as economias europeias. As exportações alemãs caem 8%.
2009 - Recuperação garante reeleição
Merkel continua a brilhar com as suas políticas contidas e voltadas para o presente. A Alemanha retoma o crescimento económico, pondo fim à maior recessão desde a II Guerra Mundial, e a chanceler valida a confiança da população que a reelege para o cargo.
2011 - Ano marcado por decisão drástica
Após o desastre nuclear de Fukushima, no Japão, Angela Merkel anuncia a retirada gradual da Alemanha da energia nuclear até 2022. O objetivo então apresentado era substituir a energia nuclear por energias renováveis.
2013 - De novo, vitória à vista
O país estava de novo em velocidade de cruzeiro e a economia dava sinais de recuperação. Motivada pela queda do desemprego para 5,2%, Merkel é eleita pela terceira vez para conduzir os destinos da incontestada maior economia da Europa.
2015 - Popularidade em baixo
A mudança ideológica de Merkel, que decide cambiar a política alemã sobre os imigrantes, faz com que a sua popularidade caia a pique. Em 2015, a chanceler permitiu a entrada na Alemanha de quase 1,5 milhões de refugiados.
2016 - Luta contra Donald Trump
Do outro lado do Atlântico, Donald Trump ganha as eleições nos EUA. Barack Obama, Presidente cessante, insiste com Merkel para voltar a concorrer a chanceler, para conter Trump e os populistas de direita na Europa.
2017 - A última reeleição
Pela última vez, Merkel entra na corrida à chancelaria e volta a ser, pela quarta vez consecutiva, a favorita. Nesse ano, o desemprego cai para 3,7% e a participação feminina na força de trabalho atinge os 70%.
VIDA
A filha de um luterano que chegou a chanceler da maior potência europeia
Angela Dorothea Merkel nasceu há 67 anos em Hamburgo, Alemanha Ocidental. Filha de um pastor luterano e de uma professora de Inglês e Latim, a mulher que deu nome ao movimento político "merkelismo" cresceu sob a ditadura comunista da Alemanha Oriental (ex-RDA). Este início de vida viria a tornar-se numa lição anos mais tarde, quando Merkel decidiu mudar de ideias sobre os refugiados. Doutorada em Química Quântica pela Universidade de Leipzig, integrou a Juventude Livre Alemã e na ex-RDA aprendeu a falar russo - que aplica cada vez que se avista com Vladimir Putin, presidente da Rússia. Viu o muro de Berlim cair. Ou melhor, não viu: o plano para esse dia era ir à sauna e foi lá que esteve quando a barreira erguida pela Alemanha Oriental na Guerra Fria foi derrubada. Mas esta mulher discreta começou cedo a dar cartas na política alemã. Em 1990, tinha 36 anos, é eleita deputada do Bundestag pelo Despertar Democrático e quatro anos depois chega a ministra do Ambiente e da Segurança Nuclear - era a mais jovem ministra na Alemanha. Quinze anos depois, Angela Merkel fez-se chanceler da maior potência da Europa.