Recep Tayyip Erdogan está longe de ser um nome consensual a nível internacional. A cisão deve-se, essencialmente, à forma como tem tratado questões relacionadas com os Direitos Humanos na Turquia. No entanto, apesar dos inimigos que foi plantando ao longo do caminho que trilhou, o atual presidente ascendeu politicamente a pulso, apresentando como principais bandeiras a reabilitação dos sultões otomanos e a defesa do Islão.
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De origens humildes, Erdogan tornou-se um gigante político. Liderou a Turquia nos últimos 20 anos e impulsionou reformas que reconfiguraram o país, tendo um papel ainda mais relevante na História turca do que qualquer outro líder desde Mustafa Kemal Ataturk, considerado o "pai" da república moderna turca.
Ainda assim, duas décadas depois, o conservador está a ter dificuldade em manter-se no cargo. Na primeira volta das eleições, não alcançou os 50% de votos necessários para garantir a permanência na presidência. O veredicto final só será conhecido este domingo, ao enfrentar o opositor de centro-esquerda Kemal Kiliçdaroglu.
Bagels de gergelim e limonada para ajudar a família
Em 1954, nasceu num meio singelo, mas isso não o impediu de, no futuro, dominar o dom da retórica. Cresceu no seio de uma família muçulmana conservadora que vivia numa povoação junto ao mar Negro, onde o pai trabalhava como capitão da guarda costeira.
Quando tinha 13 anos, o progenitor decidiu que a família deveria ir viver para Istambul, na esperança de dar aos cinco filhos uma educação melhor. A mudança para a grande cidade viria a ser vital para o percurso de Erdogan.
Ainda adolescente vendia limonada e bagels de gergelim, conhecidos como "simit" - um tipo de pão muito popular na Turquia -, para conseguir dar um impulso monetário ao agregado familiar. Enquanto isso, ia alimentando outra paixão: jogar à bola. Esteve perto de se tornar jogador profissional de futebol, mas o facto de ter frequentado uma escola religiosa, e também por pressão familiar, acabou por fazer com que se encaminhasse por outros trilhos.
Os órgãos de comunicação turcos recordam que o Fenerbahçe - um dos maiores clubes de futebol da Turquia - queria contratar Erdogan, mas o pai não terá dado o aval. Perdeu-se uma eventual estrela dentro das quatro linhas, sendo na arena política que se fez notar.
Foi durante a década de 1970 que se começou a envolver em meios conservadores e nacionalistas muçulmanos e reforçou convicções antigas, tornando-se um fiel do islão sunita e juntando-se ao pró-islâmico Partido do Bem-Estar de Necmettin Erbakan.
À medida que o partido foi ganhando mais fôlego, na década de 1990, Erdogan candidatou-se a presidente da câmara de Istambul e, em 1994, alcançou o cargo, porém, acabou por se demitir quatro anos depois, uma vez que foi condenado a dez meses de prisão (que não cumpriu na totalidade), sob a acusação de "incitamento ao ódio religioso", por ter citado um poema nacionalista.
Em liberdade, regressou à política e esteve na fundação do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), vencedor por maioria absoluta das eleições legislativas de novembro de 2002. No seio do AKP, a popularidade de Erdogan foi crescendo, particularmente entre dois grupos: a piedosa maioria da Turquia que se sentia marginalizada pelas elites seculares do país e aqueles que sofriam com a crise económica no final dos anos 1990.
Em 2002, o AKP obteve a maioria dos votos nas eleições parlamentares e, no ano seguinte, Erdogan foi nomeado primeiro-ministro, mas o maior desafio só viria anos mais tarde, quando, em 2013, se impuseram protestos contra a construção de um centro comercial no parque público Gezi, em Istambul.
As manifestações disseminaram-se em várias cidades e no epicentro do protesto a polícia recorreu à violência para tentar calar a contestação, o que culminou com um balanço de nove mortos e centenas de feridos e detidos. O episódio foi interpretado por diversos setores como a comprovação do crescente autoritarismo de Erdogan e do AKP.
Uma mudança no paradigma
Devido ao facto de as regras internas do AKP impedirem um quarto mandato como primeiro-ministro, Erdogan atirou-se à corrida presidencial de 2014 - as primeiras em que o chefe de Estado, ainda com poderes meramente protocolares, foi eleito por voto universal direto e não pelo Parlamento.
Quando confrontado com o golpe de Estado falhado de 15 julho de 2016, Erdogan interpretou-o como um "favor divino", ao permitir domesticar as Forças Armadas e efetuar purgas massivas na função pública.
O seu antigo aliado, o predicador islamista Fetullah Gulen, e a sua rede, são designados como os mentores do golpe falhado, e a repressão às suas estruturas ainda prossegue. Em referendo, são aprovadas profundas alterações à Constituição através da abolição do cargo de primeiro-ministro e que tornam o presidente no chefe executivo do Governo.
Ao convocar novas eleições antecipadas a 24 de junho de 2018 conseguiu garantir um segundo mandato para a presidência, assumindo a partir de 9 de julho novos poderes presidenciais.
A conjuntura autoritária acentuou-se quando o país confrontou uma nova crise em 2020, em pleno surto pandémico da covid-19. Erdogan continuou a exercer pressão sobre o banco central em torno da política monetária e a repressão à liberdade de Imprensa escalou, continuando a ser uma realidade no país. Em paralelo, foi-se assistindo a um estrito controlo do meio universitário.
Uma das principais bandeiras de Erdogan tem sido ainda o plano de erradicação de curdos, já que a Turquia considera a Unidade de Proteção Popular (YPG) e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) grupos terroristas.
Há pouco mais de um ano surgiu a guerra da Ucrânia depois da invasão da Rússia - país do qual Erdogan sempre foi muito próximo. Ainda assim, o presidente viu no conflito uma oportunidade para formular novas abordagens na política externa, continuando a ter um papel de relevo no que diz respeito às negociações relativas ao acordo de cereais.
As grandes pedras no sapato de Erdogan são agora a recuperação dos sismos de 6 de fevereiro e a inflação, que atinge duramente o país e tem deixado as famílias numa enorme situação de carência económica.