Espancamentos e ameaças: Governo das Canárias sabia dos maus-tratos a menores migrantes desde 2021
Após quatro anos de queixas das organizações de defesa dos direitos humanos, as autoridades das Canárias estão a investigar o maior centro de acolhimento de menores migrantes, acusado de crimes de ódio e ameaças.
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As denúncias de abusos e maus-tratos a crianças migrantes em vários centros de acolhimento começaram a chegar à Direção-Geral de Proteção da Infância e ao Ministério Público das Ilhas Canárias em 2021. No entanto, não houve qualquer intervenção. Hoje, quatro anos depois, uma investigação sobre a entidade que acolhe a maior parte dos menores migrantes no arquipélago (quase dois mil), revela um sistema sobrecarregado, que cresceu descontroladamente.
Citada pelo espanhol "El País", Virginia Álvarez, responsável da área de investigação em Direitos Humanos da Amnistia Internacional, defendeu que, neste caso, "o trabalho de fiscalização falhou miseravelmente". Sob investigação está a organização "Quorum Social 77", acusada de crimes de ódio e ameaças a menores. Entre as denúncias estão agressões físicas e castigos em salas de isolamento, com adolescentes a ficarem presos durante dias. Após buscas a vários centros, dois foram encerrados, sendo que 11 funcionários acabaram detidos, incluindo o presidente da instituição. A "Quorum Social 77" é responsável por mais de um terço dos 5500 migrantes menores acolhidos nas Canárias, tendo recebido, desde 2023, mais de 150 milhões de euros do Estado.
Um dos centros fechados, conhecido como Bandama, recebeu uma visita da provedoria da justiça em novembro de 2021 e, apesar de o relatório não ter sido tornado público, identificou "condutas ou atos presumivelmente criminosos". Segundo um antigo funcionário do serviço regional de proteção à criança, além de a fiscalização dos centros "não ser uma prioridade", os relatórios médicos das lesões também eram ignorados. "Não se tomava nenhuma atitude", referiu, sob anonimato.
O primeiro caso relatado pela Amnistia Internacional foi de um menor que ficou com o maxilar partido num dos centros, em 2021, informação que consta no relatório da organização daquele ano. "Particularmente impressionante foi a bofetada que um educador deu a um dos meninos, sem qualquer interação prévia entre eles, o que indica, claramente, um comportamento abusivo e desproporcional". "O centro Bandama já era problemático naquela época", referiu Álvarez.
Em novembro de 2023, já com Fernando Clavijo como presidente do Governo das ilhas, uma denúncia de 12 adolescentes marroquinos fez disparar novamente os alarmes. Desta vez, envolvia um centro administrado pela "Fundação Siglo XXI", acusada de desviar fundos destinados a menores para tratamentos de beleza e refeições em restaurantes. Os jovens relataram "agressões físicas e ameaças" e "espancamentos violentos pelo diretor". O caso está, desde então, no mesmo tribunal que está a investigar a instituição "Quorum Social 77". Enquanto isso, a organização continua a dar abrigo a 250 menores.
Em 2024, o "El País" recolheu vários depoimentos que apontavam que um hotel do Quorum, no norte de Tenerife, tinha uma sala de isolamento na qual eram aplicados castigos físicos. As informações foram partilhadas com a Direção-Geral e a própria organização, que garantiu tratarem-se de "mentiras".
