Os legisladores espanhóis aprovaram, esta quinta-feira, uma lei de direitos das pessoas transgénero, que determina que qualquer pessoa com 16 anos ou mais possa mudar de género no seu documento de identificação sem parecer médico.
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Aprovado com 188 votos a favor, 150 contra e sete abstenções, o projeto de lei simplifica o procedimento de alteração de género nos documentos de identificação, permitindo que os espanhóis solicitem a alteração com base numa simples declaração.
Neste momento, apenas adultos em Espanha podem solicitar a mudança e têm de apresentar um documento médico que ateste disforia de género e comprovativo de tratamento hormonal durante dois anos. A nova lei, no entanto, elimina esse requisito e permite que qualquer pessoa a partir dos 16 anos mude livremente o sexo designado no seu documento de identificação. Após a apresentação do pedido, o requerente deve confirmá-lo três meses depois e a alteração tornar-se-á válida.
Em todos os casos, deixam de ser necessários pareceres médicos e provas de qualquer tratamento ou terapia hormonal. A partir dos 12 anos, será necessária autorização de um juiz para os casos entre os 12 e os 14 anos e dos pais ou tutores legais entre os 14 e os 16 anos. Para maiores de 16 anos, bastará a própria vontade de quem quiser fazer a alteração.
A proposta também proíbe terapias de conversão, promove a não discriminação contra pessoas LGBTI no local de trabalho e pretende "avançar na inclusão" de mulheres transgénero em particular, que tendem a ser afetadas de forma desproporcional. A nova lei proíbe também cirurgias de modificação genital até aos 12 anos em crianças que nasçam com características físicas dos dois géneros (crianças intersexuais ou hermafroditas). Por outro lado, consagra o direito de lésbicas, bissexuais e transgénero com capacidade reprodutiva acederem às técnicas de reprodução medicamente assistida e permite a filiação dos filhos de mães lésbicas e bissexuais sem necessidade de casamento.
A legislação é um dos principais projetos do Ministério da Igualdade, mantido pelo Podemos, o parceiro minoritário de esquerda radical da coligação liderada pelos socialistas do primeiro-ministro Pedro Sánchez. "Finalmente, esta lei despatologiza as vidas transgénero e garante os direitos das pessoas transgénero", disse a ministra da Igualdade, Irene Montero, forte defensora da autoidentificação de género. "Hoje a maioria feminista nesta Câmara responde à transfobia".
A nova legislação demorou mais de um ano a ser aprovada e pelo caminho dividiu o Partido Socialista (PSOE), que governa Espanha em coligação como a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos. A lei contou também com a oposição de algumas associações feministas, consideradas representantes de um "feminismo clássico". Ativistas temem que a lei leve a abusos e corroa os direitos das mulheres, permitindo que homens que se identificam como mulheres compitam em desportos femininos ou solicitem transferência para prisões femininas. Também alertaram para o facto de menores terem o direito de autodeterminar o género.
O projeto segue agora para o Senado (câmara alta do parlamento) e, se não for alterado, como esperado, tornar-se-á lei em algumas semanas. Nesse caso, Espanha tornar-se-á um dos poucos países do mundo a permitir que pessoas transgénero mudem de género com uma simples declaração. Na Europa, a Dinamarca foi o primeiro país a conceder esse direito em 2014.