Espanha pede a grávidas e crianças que não comam atum. Especialista diz que recomendação "vem tarde"
A Agência Espanhola de Segurança Alimentar (AESA) desaconselhou, há duas semanas, o consumo de atum e peixe-espada, por parte de mulheres grávidas e crianças com menos de 10 anos, devido à presença de níveis elevados de mercúrio. "A recomendação chega 20 anos mais tarde", alerta um especialista.
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Nicolás Olea, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Granada, estuda há duas décadas o impacto dos chamados desreguladores endrócrinos (substâncias químicas que alteram o equilíbiro hormonal). Um deles é o mercúrio, presente em grande quantidade no atum, no peixe espada e no cação, mas há outros.
Quanto à decisão da AESA, "já há 20 anos, havia estudos que o demonstravam [a perigosidade do mercúrio]. A União Europeia pressionou Espanha para o fazer [emitir a recomendação]. As crianças estão a urinar mais mercúrio do que o recomendado", disse, numa entrevista ao jornal espanhol "El País", o especialista, que acaba de lançar o livro "Liberta-te de tóxicos (RBA)", onde exige mais regulação para este tipo de substância.
Olea adianta que "há produtos cuja toxicidade nós temos consciência", como os compostos CMR (Cancerígenos, Mutagénicos e Tóxicos para a Reprodução), mas que a sua exposição é "muito regulada". Pelo contrário, há produtos que "afetam e alteram o sistema endócrino e que estão presentes em todo o tipo de objetos de consumo habitual: nas embalagens, nos cosméticos, nos têxteis e até nos alimentos".
São substâncias que afetam sobretudo mulheres, estando associadas a "casos de cancro da mama, endometriose e infertilidade" e crianças, podendo causar "défice de atenção e hiperatividade". "Qualquer sistema hormonal pode ser prejudicado por estes contaminadores ambientais, que causam problemas de tiróide, diabetes ou obesidade", adverte o docente.
Outras substâncias
A lista de produtos que contêm os tais desreguladores endrócrinos é longa: pesticidas e herbicidas usados na agricultura; plásticos que armazenam alimentos; papel e cartão reciclado; cosméticos; produtos de higiene; e até os talões das caixas de supermercado (de papel térmico), que são feitos de bisfenol A. "Se lhes tocarmos com as mãos molhadas e depois formos comer, vamos incorrer numa exposição oral e dérmica. Há muitas mulheres jovens a trabalhar em caixas e esse tóxico pode afetar a fertilidade. Além disso, esses talões são reciclados, o que vai contaminar todo o papel e papel reciclado", adverte, lembrando que esse desregulador endócrino também se encontra nos policarbonatos, plásticos usados em recipientes de sumo, leite e água, em utensílios de cozinha e até em biberons (a utilização de bisfenol A nestes últimos foi banida na UE).
O ftalato - substância usada para deixar o plástico mais maleável e que, no universo dos cosméticos, é o principal responsável pela fragrância dos produtos - está classificado como cancerígeno, podendo causar danos no fígado, rins e pulmão, além de estar associado a anormalidades no sistema reprodutivo. Na União Europeia, o seu uso em cosméticos foi banido mas nos EUA e no Brasil não, pelo menos não todos.