Ativista ambiental na Amazónia, Tercísio Feitosa - que no dia 12 vai estar no Fórum Internacional de Gaia - rejeita, em conversa com o JN, as acusações de Jair Bolsonaro às ONG.
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Porque aumenta o número de queimadas e de incêndios na Amazónia? Com a eleição de Bolsonaro, uma parte muito grande de produtores e grileiros (que se apossaram ilegalmente de terras) e madeireiros ilegais acharam-se no direito de queimar a Amazónia para substituir floresta pelo gado. O presidente condenou a fiscalização dos órgãos ambientais em áreas de proteção. Isso alvoroçou o interesse em destruir a floresta. Houve um dia em que fazendeiros resolveram conjuntamente deitar fogo.
Com que consequências?
A perda de biodiversidade e a emissão de gases com efeito de estufa. Cidades inteiras ficaram dias sob um cobertor de fumo e houve um aumento exponencial de infeções respiratórias. O impacto é devastador. Podemos dizer que estamos perto de um holocausto da floresta.
Bolsonaro tem lançado abertamente suspeitas sobre as ONG quanto à origem dos incêndios.
Infundadas. É uma agressão às ONG que têm garantido a defesa da Amazónia e de povos indígenas, quilombolas e povos tradicionais que protegem a biodiversidade. São organizações que têm tentado produzir carne de forma sustentável. Com isso, provoca uma reação do mercado. Ou o Governo muda a posição em relação à proteção da Amazónia, ou vamos perder toda a floresta.
Os produtos são obtidos na Amazónia de forma sustentável?
Há estudos que dizem que 80% da cadeia da madeira é ilegal, boa parte da soja é produzida em zonas de conflito, há uso intensivo de agrotóxicos, que prejudicam rios, biodiversidade e populações humanas. A grande mineração é um dos indutores principais do desmatamento.
Desde a campanha que Bolsonaro demoniza as ONG. Que papéis têm tido?
Atuam, pelo menos nas últimas três décadas, propondo políticas que mantêm a floresta de pé como o principal património económico, social e cultural. O Governo de hoje é uma coligação muito maléfica, de militares que não têm nenhum patriotismo, de falsos evangélicos, de narcomilicianos, grupos ligados ao crime ambiental, de exploração ilegal de madeiras. As ONG sempre fizeram a denúncia destas situações.
O Governo diminuiu o financiamento das ONG... Bolsonaro rompeu com o Fundo Amazónia e os seus doadores. O fundo apoiava as ONG e os governos estaduais e municipais no combate ao desmatamento e na busca de alternativas económicas. Acabou o projeto de cadastro rural ambiental, que mostra se as propriedades estão a conservar a biodiversidade e água. O mais grave é que, de toda a fiscalização, quase 80% eram financiados pelo fundo. Outra frente em que o Governo se mobiliza é na alteração de legislação...
Quer facilitar a extração de madeiras e minérios, argumentando que podem render "royalties" às comunidades. Pode seduzi-las?
São projetos de mineração que podem contaminar rios, pessoas com mercúrio. Bolsonaro foi apoiado por mineradores ilegais e tem um compromisso com esse grupo. Não é verdade que o garimpo possa trazer mais dinheiro para os indígenas.
Os brasileiros têm consciência da importância da Amazónia? Podem contribuir para salvá-la?
Boa parte está a mobilizar-se para o Dia da Amazónia. E sim, podem contribuir diminuindo o consumo de carne. O brasileiro come 28 Kg de carne por ano e cada quilograma representa 214 m2 de floresta destruída; na China, são 4 Kg; no Mundo, sete.