"Estilos de vida anticristãos". Comentários de Leão XIV alarmam comunidade LGBTQ+
Depois de anos de declarações inclusivas do Papa Francisco, os católicos da comunidade LGBTQ+ estão agora preocupados com os comentários hostis feitos há mais de uma década por Robert Prevost, o novo Papa Leão XIV, eleito na quinta-feira passada.
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Se recuarmos a 2012, o americano-peruano que agora lidera a Igreja Católica disse, ao sínodo mundial dos bispos, que “os meios de comunicação de massas ocidentais são extraordinariamente eficazes em promover no público em geral uma enorme simpatia por crenças e práticas que estão em desacordo com o Evangelho – por exemplo, aborto, estilo de vida homossexual, eutanásia”.
Segundo o jornal britânico "The Guardian", o clérigo culpou os meios de comunicação de massa por promoverem tanta "simpatia pelas escolhas de estilos de vida anticristãos" que "quando as pessoas ouvem a mensagem cristã, muitas vezes parece inevitavelmente ideológica e emocionalmente cruel". “Os pastores católicos que pregam contra a legalização do aborto ou a redefinição do casamento são retratados como ideologicamente motivados, severos e indiferentes”, continuou.
“As famílias alternativas compostas por parceiros do mesmo sexo e os seus filhos adotivos são retratadas de forma tão benigna e simpática nos programas de televisão e no cinema hoje em dia”, reclamou Prevost, apelando ainda a uma “nova evangelização para combater estas distorções da realidade religiosa e ética produzidas pelos meios de comunicação de massa”.
Além disso, durante os seus oito anos como bispo na cidade peruana de Chiclayo, opôs-se a um plano do governo para incluir ensinamentos sobre género nas escolas. "A ideia de promover ideologias de género é confusa porque procura criar géneros que não existem. Deus criou o homem e a mulher e a tentativa de confundir as ideias com a natureza só vai prejudicar as famílias e as pessoas", disse, em declarações ao jornal peruano "Diario Correo".
O agora Papa defendeu ainda que as pessoas devem "respeitar a dignidade de cada pessoa, incluindo as opções que os adultos podem ter". "Falar sobre questões de identidade e orientação sexual com uma criança que ainda não atingiu uma idade de desenvolvimento suficiente vai criar muita confusão", rematou.
Por outro lado, no ano passado, não apoiou nem rejeitou as bênçãos para os casais do mesmo sexo, dizendo que existiam diferenças culturais em todo o Mundo, com alguns países a criminalizarem ainda as relações entre pessoas do mesmo sexo.
Católicos LGBTQ+ otimistas que Papa tenha mudado de opinião
Os grupos católicos LGBTQ+ americanos manifestaram alarme com esta visão mais tradicional da moral católica, ainda resistente à inclusão plena de pessoas LGBTQ+ nas estruturas da Igreja, mas também mantêm um otimismo cauteloso de que o papado de Francisco tenha trazido avanços em toda a Igreja.
“Rezamos para que nos 13 anos que passaram, 12 dos quais sob o papado do Papa Francisco, o seu coração e mente se tenham desenvolvido mais progressivamente em questões LGBTQ+ e adotaremos uma atitude de esperar para ver se isso aconteceu”, disse Francis DeBernardo, CEO do New Ways Ministry, um grupo católico LGBTQ+ sediado no estado do Maryland, em comunicado citado pelo "The Guardian". “Rezamos para que, enquanto a nossa Igreja faz a transição de 12 anos de um papado histórico, o Papa Leão XIV continue a acolher e a ajudar pessoas LGBTQ+".
A DignityUSA, organização que representa católicos LGBTQ+, também manifestou "preocupação" com os comentários do Papa. "Observamos que esta declaração foi feita durante o papado de Bento XVI, quando a adesão doutrinária parecia ser esperada. Além disso, as vozes das pessoas LGBTQ+ raramente eram ouvidas neste nível de liderança da Igreja. Rezamos para que o Papa Leão XIV demonstre vontade de ouvir e crescer ao assumir o seu novo papel como líder da Igreja global", escreveu a organização.
Já Marianne Duddy-Burke, CEO da DignityUSA, disse ao "Washington Blade" que o novo Papa "não disse muito desde o início da década de 2010" sobre o assunto, acrescentando: "espero que tenha evoluído".
Por fim, o padre James Martin, jesuíta norte-americano e fundador do Outreach, um recurso católico LGBTQ+, manifestou otimismo, considerando o novo Papa um homem "terra a terra, gentil e modesto" e "uma ótima escolha".
Papa Francisco: "Quem sou eu para julgar?"
A Igreja Católica defende que as pessoas LGBTQ+ devem ser respeitadas e não discriminadas, mas continua a sustentar que a atividade homossexual é "intrinsecamente desordenada".
No entanto, em 2013, o Papa Francisco fez uma das mais conhecidas declarações de empatia sobre os católicos LGBTQ+, quando questionado pelos jornalistas sobre se um "lóbi gay" dentro da hierarquia do Vaticano.
“Ainda não encontrei ninguém que se apresente no Vaticano com um documento de identidade escrito ‘gay’”, ironizou o papa. "Mas precisamos de distinguir o facto de uma pessoa ser gay do facto de fazer lóbi, porque nenhum lóbi é bom. Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?", questionou.
O Papa disse ainda, enquanto regressava de avião da sua primeira viagem papal, que as pessoas não devem ser marginalizadas pela sua orientação sexual, mas sim integradas na sociedade.
Em maio de 2018, o Papa Francisco disse a Juan Carlos Cruz, um homem homossexual, que “Deus fez-te assim e ama-te”. Cruz, o principal denunciante de um escândalo de abusos sexuais na Igreja Católica no Chile, foi convidado pelo Papa para discutir o seu caso, juntamente com outras vítimas de um padre.
Em 2020, o Papa Francisco afirmou que apoiava as leis de união civil para casais do mesmo sexo. “Os homossexuais têm o direito de fazer parte da família. São filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser expulso ou passar por sofrimento por causa disso”, afirmou.
Já em janeiro de 2023, o Papa Francisco disse que "ser homossexual não é crime" e classificou as leis que criminalizam a homossexualidade de “injustas” numa entrevista à Associated Press (AP).
No mesmo ano, o pontífice assinou um documento que dizia que, em determinadas circunstâncias, as pessoas transgénero podem ser batizadas. Além disso, permitiu as bênçãos de uniões entre casais do mesmo sexo, embora não possam assemelhar-se aos votos tradicionais do casamento.
Francisco considerou que "não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem". "A prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, pedidas por uma ou várias pessoas, que não transmitam uma ideia errónea do matrimónio. Porque quando se procura uma bênção, está-se a pedir ajuda a Deus", escreveu a um grupo de cardeais conservadores.
Por outro lado, foi noticiado que o Papa usou termos pejorativos ao referir-se a homossexuais pelo menos duas vezes. Durante uma reunião com sacerdotes no ano passado, Francisco disse que “há um ambiente de paneleirice no Vaticano”, defendendo que seria melhor travar a entrada de homossexuais nos seminários. Além de ter usado o termo italiano “frociaggine” - que pode ser traduzido para "paneleirice" -, o pontífice reiterou que é preferível não deixar entrar no seminário um jovem com manifestas tendências homossexuais. Um mês antes, o Vaticano pediu desculpas publicamente em nome de Francisco pelo uso de um termo depreciativo quando se referia a pessoas homossexuais: "Já há demasiadas bichas", terá dito numa ocasião em que apelava a bispos italianos que não admitissem seminaristas homossexuais.
Ainda assim, o que tornou o papado de Francisco histórico é que, ao contrário dos seus antecessores, o Papa encontrou-se com pessoas LGBTQ+ de todo o Mundo e ouviu as suas histórias.
Segundo o padre James Martin, Francisco "fez mais pelas pessoas LGBTQ+ do que todos os seus antecessores juntos". "Escreveu cartas de boas-vindas a conferências de divulgação para católicos LGBTQ+. Aprovou a publicação da Fiducia Supplicans, um documento do Vaticano que permitia aos padres abençoar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo em determinadas circunstâncias e enfrentou uma intensa reação de alguns setores da Igreja. E, talvez o mais surpreendente e menos conhecido, reunia-se regularmente com católicos transgénero e conversava com eles com afeição e acolhimento", revelou o jesuíta norte-americano.
Para DeBernardo, o Papa Francisco abriu a porta a uma nova abordagem para com as pessoas LGBTQ+. "O Papa Leão deve agora guiar a Igreja por essa porta. Muitos católicos, incluindo bispos e outros líderes, continuam a ser ignorantes sobre a realidade da vida LGBTQ+, incluindo a marginalização, a discriminação e a violência que muitos ainda enfrentam, mesmo nas instituições católicas. Esperamos que se informe ainda mais, reunindo-se e ouvindo os católicos LGBTQ+ e os seus apoiantes", rematou.