Um ex-detido de Guantanamo foi acorrentado, privado de sono e ameaçado de "desaparecimento" durante interrogatórios realizados por agentes norte-americanos em 2002, no Paquistão.
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Estas denúncias sobre Binyam Mohamed constam de documentos divulgados hoje, quarta-feira, em Londres, por ordem judicial.
Os documentos resumem em sete parágrafos as informações fornecidas pela CIA aos serviços secretos britânicos sobre o tratamento a que Binyam Mohamed foi sujeito.
Numa série de interrogatórios realizados em Abril de 2002 no Paquistão, o etíope Binyam Mohamed "foi intencionalmente submetido a privação de sono, ameaças e métodos de persuasão". Os norte-americanos que o interrogaram "aproveitaram os seus receios de ser transferido da custódia norte-americana e de 'desaparecer'", lê-se nos documentos.
"O 'stress' provocado por estas tácticas deliberadas foi amplificado pelo facto de estar acorrentado durante os interrogatórios", acrescentam os autores dos documentos, concluindo que estes tratamentos podiam "facilmente" ser considerados "no mínimo cruéis, desumanos e degradantes".
As informações fazem parte do processo instaurado no Reino Unido em 2008 sobre o caso deste ex-detido, mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha até agora impedido a sua divulgação invocando a "segurança nacional" e a necessidade de preservar o segredo das informações trocadas entre Londres e Washington.
Binyam Mohamed, de 31 anos, foi detido no Paquistão em 2002 e depois transferido para um local secreto em Marrocos, antes de ser enviado em 2004 para a base norte-americana de Guantanamo, em Cuba.
Foi o primeiro prisioneiro a ser libertado daquele campo, em Fevereiro de 2009, quando foi transferido para o Reino Unido, onde tinha estatuto de residente desde 1994.
O etíope afirmou que as questões para os interrogatórios a que foi sujeito em Marrocos foram fornecidas por um membro dos serviços secretos britânicos MI5.
O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Miliband, sublinhou hoje na Câmara dos Comuns que os interrogatórios a Binyam Mohamed não foram realizados por britânicos: "A nossa posição é clara. O Reino Unido opõe-se firmemente à tortura".
Disse também não ter "nenhuma informação" sobre as "mutilações genitais" que Binyam Mohamed afirma ter sofrido nos interrogatórios.
Shami Chakrabarti, directora da organização de direitos humanos Liberty, acusou o governo britânico de "cumplicidade com a parte mais vergonhosa da guerra contra o terrorismo" e considerou que ele não vai poder mais "escapar" a um inquérito público.
"Mostra que as autoridades britânicas sabiam muito mais do que diziam sobre Binyam Mohamed e como ele foi torturado sob custódia dos Estados Unidos. É claro nestes sete parágrafos que as nossas autoridades sabiam muito bem o que estava a acontecer a Mohamed. As nossas mãos estão mesmo muito sujas", disse.