
Esta é a melhor eleição de sempre da direita no Chile
Foto: Marvin Recinos / AFP
A corrida eleitoral para a segunda volta no Chile avança com escassas chances para a comunista Jeannette Jara e com uma vitória alargada de José Antonio Kast na melhor eleição de sempre da direita, a três semanas do pleito.
Corpo do artigo
"Existe consenso entre os observadores da política chilena de que não há chances para Jara ganhar porque o descontentamento com o atual Governo é maioritário e porque a reputação do Partido Comunista é muito negativa. O que ele pode colher de votos das outras opções políticas é mínimo. O consenso é o de que Kast está a milímetros da Presidência", avalia à Lusa a analista política Paz Zárate, professora da academia diplomática do Chile e especialista em Direito Internacional.
"Na democracia sempre existe um grau de incerteza, mas é muito improvável que Jara possa ganhar. Até mesmo na primeira volta, obteve menos do que se esperava", reforça a cientista política, Claudia Heiss, da Universidade do Chile.
No domingo passado (16), a comunista Jeannette Jara, representante da coligação Unidade pelo Chile, de centro-esquerda, obteve 26,8%, enquanto a extrema-direita de José Antonio Kast, do Partido Republicano, ficou com 23,9%. A diferença é quase um empate técnico, quando se esperava que Jara atingisse, pelo menos, 30%, em linha com a aprovação do atual Presidente Gabriel Boric, de quem Jara foi ministra do Trabalho.
O terceiro candidato com mais votos foi Franco Parisi (19,7%), um economista liberal e populista que se diz de centro ("nem fascista nem comunista"), que, por enquanto, não apoia nenhum candidato na segunda volta. O quarto colocado, Johannes Kaiser (13,9%), de extrema-direita e a quinta colocada, a centro-direita de Evelyn Matthei (12,5%), somaram 26,4% dos votos e declararam apoio total a Kast.
Com esse alinhamento, todos os votos de direita juntos passam dos 50%, sem mencionar os quase 20% de Parisi com tendência a ir mais para Kast do que para Jara. Os demais candidatos de esquerda não somaram nem 3% dos votos.
Num exercício otimista, mas irreal, mesmo que 100% dos votos de Parisi fossem para Jara, a candidata não chegaria à maioria. A direita tem o suficiente para ganhar o pleito em 14 de dezembro.
Nesta semana, a "Panel Ciudadano", da Universidade do Desenvolvimento, a que mais próxima chegou do resultado da primeira volta, divulgou uma nova sondagem realizada no calor da contagem dos votos, entre as 21.30 horas de domingo (16) e meio-dia de segunda-feira (17). Segundo esse estudo, Kast venceria em 14 de dezembro com 61% dos votos válidos, enquanto Jara ficaria com 39%.
Possibilidades de Jara "são bem reduzidas"
Uma análise da plataforma Decide Chile indica que "as possibilidades de Jara são bem reduzidas". Sem considerar os votos de Johannes Kaiser, de extrema-direita, totalmente transferíveis a Kast, Jeannette Jara teria de conseguir 70% dos votos de todos os demais candidatos derrotados para ganhar.
Do outro lado, diz o estudo, se Kast conseguir apenas 60% dos votos dos candidatos eliminados, obteria 58,6% dos votos, superando os 57,2% da eleição de 1946, até hoje o melhor desempenho da direita na história eleitoral do Chile.
Os 26,8% de Jara na primeira volta já é a votação mais baixa da esquerda desde o retorno da democracia em 1990.
O desafio dos dois candidatos é seduzir o eleitorado de Franco Parisi com os seus quase 20%. O terceiro colocado quer que Jara e Kast participem do seu canal de YouTube e depois fazer uma sondagem entre os seus militantes para decidir quem apoiar.
"Há quatro anos, quando Boric e Kast se enfrentaram, Parisi fez uma consulta com a sua militância e decidiram apoiar Kast. Mas uma coisa são os militantes; outra, os eleitores em geral que não seguem necessariamente uma indicação", pondera Paz Zárate.
"Parisi tem mais incentivos para se aliar ao ganhador do que à perdedora, mas pode ser que ele não se pronuncie e que se mantenha independente para se preservar para uma nova candidatura dentro de quatro anos", acrescenta Heiss.
Juan Pablo Lavín, gerente general da "Panel Ciudadano", projeta que 60% dos votos de Parisi devem ir para Kast, 20% para Jara e 20% para brancos e nulos. Lavín também acrescenta que Jara precisaria dos 100% dos votos de Parisi.
"O voto em Parisi é mais próximo de Kast do que de Jara. Mesmo que não fosse assim, não vejo como Jara possa conseguir 100% dos votos de Parisi", aponta Claudia Heiss à Lusa.
Para essa "missão impossível", Jara anunciou a incorporação de propostas de Parisi no seu programa de governo. Também demitiu o seu coordenador estratégico de campanha, Dario Quiroga, por ter criticado Parisi em abril. Paralelamente, Jara procura, nos arquivos dos 16 anos (2002-2018) em que Kast foi deputado, informações, declarações ou promessas que contradigam o atual discurso moderado do extremista.
"Jara deveria fazer três movimentos estratégicos: afastar-se do Governo Boric do qual fez parte, tomar medidas atraentes para os eleitores dos demais candidatos eliminados e congelar, suspender ou renunciar a sua militância ao Partido Comunista. Melhor será se renunciar completamente", indica Paz Zárate.
Kast, por sua vez, tem uma posição cómoda com os votos somados da direita, mas nem por isso pode prescindir dos votos de Parisi, mesmo que numa pequena proporção.
"Kast tem pouco a fazer. Só não pode cometer erros. Vai falar o menos possível e não agitar as águas. Se entrar em polémicas pode afetar o bom resultado. É a mesma estratégia da primeira volta durante a qual manteve um perfil baixo", observa Heiss.
O eixo do debate público destas eleições gira em torno da Segurança e da Imigração, dois assuntos incómodos para a esquerda, mas favoráveis para a extrema-direita. O temor do comunismo é maior do que a defesa aberta de Kast sobre o legado do ditador Pinochet, sobretudo num momento em que a sociedade chilena pede "linha-dura" contra o crime.
