Banco de fomento refere que dois terços do recuo devem-se ao facto de haver menos dias úteis de trabalho efetivo.
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Os alarmes soaram forte. A maior economia europeia - quarta a nível mundial - entrou em recessão, caindo 0,3% no primeiro trimestre deste ano, seguindo-se a um recuo de 0,5% nos últimos três meses de 2022. O KfW, banco estatal alemão de fomento, esclareceu que dois terços daquela contração são causados pelo facto de haver mais feriados a calhar em dias úteis de trabalho do que em 2022.
O calendário alemão dos feriados nacionais indica que, este ano, há 13 que calham em sábados ou domingos, tendo sido 14 no ano passado, o que já influi negativamente na produtividade da economia de 2023. Adicionalmente, há feriados que afetam de forma assimétrica cada região, o que também complica as contas, sobretudo quando essas paragens ocorrem em dias úteis nos estados mais ricos da Alemanha, casos de Hamburgo, Bavária e Baden-Württemberg.
No caso de Portugal, a título de curiosidade, há dez feriados em dias úteis ao longo deste ano, e três que calham no fim de semana. De qualquer forma, o número de horas semanais de trabalho dos portugueses (39,9 em 2022) costuma ser superior ao dos alemães (35,2), pese embora a produtividade por hora trabalhada seja também consistentemente mais baixa ao longo dos anos.
Para além dos feriados, que então explicarão 0,2 pontos da queda de 0,3%, em cadeia, do PIB alemão - valor que o KfW estima que será confirmado para o ano todo e não apenas para o primeiro trimestre de 2023 -, há também um problema de contração do consumo. Ou seja, os alemães estão a comprar menos. O motivo é comum às famílias portuguesas: a inflação. Globalmente, as despesas dos particulares caíram 1,2% no primeiro trimestre, com os compradores menos dispostos a gastar em alimentos, vestuário e mobiliário. As despesas públicas também registaram um recuo de 4,9% em comparação com o trimestre anterior.
Em suma, a guerra na Ucrânia perturbou tanto as empresas como os consumidores, que se abstiveram de investir e comprar, respetivamente, o que afetou a procura. Os aumentos das taxas de juro pelo Banco Central Europeu tiveram até agora pouca influência na redução da inflação, que se situa em 7% na Zona Euro. Em abril, o índice harmonizado de preços no consumidor (aquele que permite comparações europeias) estava em 7,6% na Alemanha e 6,9% em Portugal.
Portugal afetado?
E o que pode acontecer a países mais pequenos da moeda única quando a maior economia europeia entra em recessão? A Alemanha é o terceiro maior destino das exportações portuguesas.
"Não acredito que Portugal sofra com este recuo. As empresas alemãs olham cada vez mais para Portugal como país fornecedor. Nós temos registado esse aumento de interesse. Na verdade, os alemães têm procurado diminuir a sua dependência dos fornecedores asiáticos, sobretudo da China (principal origem das importações germânicas). Portugal tem grande qualidade de recursos, ao nível das engenharias, cadeias de abastecimento, direitos humanos, respeito pelo ambiente, enfim, critérios que são cada vez mais importantes", explica Thorsten Kötschau, diretor executivo da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã.
O chanceler Olaf Scholz tem optado por um tom otimista. Mas nem todos parecem concordar. O ministro da Economia, Robert Habeck, dos Verdes, avisou já que o país enfrenta um possível corte orçamental de até 22 mil milhões de euros no próximo ano. Algo muito raro na história alemã. Nuvens negras no horizonte.
Entrevista a Oliver Holtemöller, vice-presidente do Halle Institute for Economic Research
Os juros irão aumentar ainda mais
Considera que a recessão alemã é profunda? E prolongar-se-á pelo ano todo?
O rendimento disponível real das famílias só recuperará lentamente, pelo que não é provável uma recuperação rápida. Espero que o segundo e o terceiro trimestres também sejam fracos.
Qual o impacto que pensa que terá nos países mais pequenos da Zona Euro, como Portugal?
Não tenho uma visão geral dos principais produtos de exportação de Portugal para a Alemanha. Enquanto o consumo privado e público diminuiu no primeiro trimestre, o investimento bruto das empresas aumentou. As empresas também apresentam níveis de utilização da capacidade relativamente elevados, pelo que os bens de investimento poderão ser menos afetados do que os bens de consumo. Um fator comum a todos os países da Zona Euro é a política monetária única. Uma vez que a inflação é teimosamente elevada, os juros irão aumentar ainda mais, o que atenua a procura agregada, em especial no setor da construção.
Como projeta 2024?
Esperamos que a economia alemã recupere lentamente quando a inflação começar a diminuir no final do ano. A médio prazo, a demografia [número de trabalhadores disponíveis] constitui um desafio importante. O crescimento do produto potencial irá diminuir substancialmente nos próximos anos.