Festival de Viena estreia encenação do caso Gisèle Pelicot, sete horas de "um trauma coletivo"
O Festival de Viena vai estrear, esta quarta-feira à noite, uma leitura encenada com fragmentos do julgamento do caso de Gisèle Pelicot, a cidadã francesa que foi vítima de uma década de violações perpetradas por dezenas de homens, e que se tornou num símbolo internacional da luta contra a violência sexual.
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A encenação - que terá a duração de sete horas - é o mais recente projeto do diretor do Festival de Viena, Milo Rau, que acompanhou o julgamento das dezenas de homens que agrediram sexualmente Gisèle Pelicot, e que aconteceu no ano passado na cidade de Avignon, no sul de França. A decisão da mulher francesa, que insistiu para que o julgamento fosse público, levou a uma cobertura mediática internacional.
De acordo com a agência de notícias France-Presse (AFP), o espetáculo resultante do processo - que terminou com a condenação de 51 homens - é "uma extensão das ações" de Gisèle Pelicot, que num momento-chave recusou que os seus violadores fossem julgados à porta fechada.
Na peça, denominada "O julgamento de Pelicot", dezenas de atores leem declarações feitas em tribunal, além de material que ilustra os debates que o caso gerou. Os advogados da família Pelicot colaboraram com a produção, fornecendo documentos do processo, mas a dramaturga responsável pela encenação disse que a pesquisa para o projeto foi, ainda assim, uma tarefa difícil.
“Foi um desafio reconstruir as palavras que foram ditas no tribunal”, assegurou a francesa Servane Dècle, de 28 anos, que passou notícias e trabalhos jornalísticos a pente fino. Para a encenadora, foi essencial incluir também vozes de fora da sala de audiências (que incluem depoimentos de especialistas e ativistas feministas), para ultrapassar o quadro por vezes “superficial” do sistema judicial francês, que “não estava preparado para julgar” mais de 50 arguidos em tribunal.
A estreia da peça acontecerá às 21 horas de hoje, numa igreja da capital austríaca, e prolongar-se-á por sete horas. A entrada para a leitura encenada é gratuita e os espectadores podem entrar e sair à vontade. Será “uma longa viagem” que procura “puxar os fios de todas as questões sociais subjacentes ao julgamento”, explicou Decle, apontando que o caso de Gisèle Pelicot expôs questões que vão desde a violação conjugal à indústria pornográfica e ao papel da tecnologia,
A ideia por detrás da performance é tornar possível a experiência de “um trauma coletivo de passar uma noite juntos” e acordar noutro mundo, disse o diretor do Festival de Viena, sublinhando a natureza universal e simbólica do caso.