<p>Todos os tectos caíram: o centro de Itália, região de Abruzzo, sofreu esta segunda-feira o pior tremor de terra desde 1980, com centenas de milhares de desalojados e um número de mortos que não pára de subir. É a pior tragédia do milénio, diz Berlusconi.</p>
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"Acordei com um enorme ruído; era uma bomba - e caia em todos os lados ao mesmo tempo". Angela Palumbo, 87 anos, nascida em Aquila, a cidade de 68 mil pessoas mais atingida pelo sismo, não tem nada tão grave na memória. "Tremia tudo, móveis tombavam, pratos partiam, as paredes das casas pareciam de papel. Nunca vi nada assim na minha vida".
Mas o medo não tem idade. Maria Francesco, estudante, contou à agência AFP que viu o fim do mundo à frente: "Esta noite foi o apocalipse, a nossa casa ruiu, ficou toda destruída, não podemos recuperar nada de nada", disse a olhar para o vazio, encostada ao seu carro, completamente retorcido no aterro. "Foi o apocalipse que se abateu sobre nós".
O medo chegou pela calada: eram 3.30 horas (2:30 em Portugal) quando um forte sismo de magnitude 6.3 na graduação de Richter (a escala do sismólogo Charles Richter vai de 2 a 10; a partir de 6 é considerado "forte") abalou a região de Abruzzo, na Itália central, sacudindo principalmente Aquila, cidade montanhosa do século XIII, situada 100 quilómetros a nordeste de Roma, mas afectando uma área total que envolve devastação em 26 localidades. O Governo italiano declarou o estado de emergência nacional ao nascer do dia. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, desgravatado e vestido de preto dos pés à cabeça, acompanhou no local os trabalhos de salvação do sismo. "Esta é a pior tragédia do Milénio", disse.
Os números da Protecção Civil italiana são medonhos: 100 mil pessoas evacuadas; 70 mil sem casa; 10 mil casas total ou parcialmente destruídas. A contagem de vítimas ainda não parou: 16 horas depois do sinistro, o número de mortos ascendia a 150; os feridos mais de 1500. Apenas 60 pessoas foram recuperadas dos escombros com vida. A catástrofe natural prolongou-se: milhares passaram a noite ao relento com medo das réplicas e ontem à tarde vento e chuva fustigaram o negro céu do centro de Itália.
"Há pânico. Há aldeias destruídas quase por inteiro. As mães, os filhos, as mulheres, saímos todos", afirmou Paolo, um sobrevivente, ao Corriere della Sera. "Eu estava na cama com a minha mulher, no 2.º andar. Em baixo estava a minha mãe e os meus filhos. Todos os tectos caíram...", rematou, em pranto.
Não haverá mortos nem feridos entre os portugueses, mas nove dos 11 estudantes registados em Aquila no programa de intercâmbio Erasmus viveram o pesadelo. Gustavo Botelho, 21 anos, relatou ao JN o que viu - "quando voltei a casa, ela não tinha chão" -, ainda a viver o stress pós-traumático: "Por que é que eu estou vivo com tantos mortos à minha volta?" (ler ao lado).
Este foi o quarto pior tremor de terra da história de Itália e o mais grave desde 1980 (região de Avellino, sul, perto de Nápoles: 2700 mortos). Pelo menos quatro igrejas românicas e renascentistas ficaram parcialmente destruídas e um castelo do século XVI ruiu, disse o ministério da Cultura. Parte da nave da basílica de Santa Maria di Collemaggio, uma das mais visitadas da região, também desabou.
Ainda debaixo do trauma de recuperação dos corpos e do acolhimento dos feridos, uma forte polémica estalou em Itália: Giampaolo Giuliani, investigador do Laboratório Nacional de Física de Gran Sasso, previu há cerca de um mês que um forte sismo ia assolar Aquila. Avisou as autoridades, fez barulho, mas chamaram-lhe idiota. "Agora, há pessoas que me devem um pedido de desculpas", disse o cientista (ver outro texto) ao jornal La Repubblica. "Essas são as pessoas que têm agora a consciência pesada".