Na cozinha do chef Rodrigo Pazos, o ingrediente-chave é controverso. É que este cozinheiro espalha o pó da folha de coca, que é a matéria-prima da cocaína, droga que alimenta o conflito armado e da qual a Colômbia é o principal fornecedor mundial. A folha, ancestral para as comunidades indígenas e energético milenar durante as suas longas jornadas de trabalho, carrega o "estigma" do narcotráfico.
Corpo do artigo
Mas, assim como o chef de 34 anos, vários dos cozinheiros mais célebres da Colômbia têm usado a planta perseguida pela lei como ingrediente inovador.
Pazos serve o biscoito banhado em farinha de coca com um tartar de atum e pipián (um cozido típico), cinza de alecrim e arroz de titoté (coco). Assim, confronta atrás do fogão a polémica que pesa sobre a planta, que cresce exclusivamente em Colômbia, Peru e Bolívia.
"É desafiador como cozinheiro primeiro, bem, incluí-la nos menus" e "segundo, que tenha uma aceitação do público", disse o chef.
Receita "tentativa e erro"
Para chegar a esta receita, que combina os sabores do Pacífico e das Caraíbas à folha cultivada em 24 dos 34 estados da Colômbia, Pazos teve de ter várias sessões de "tentativa e erro". Pazos tentou "assá-la", "diluí-la" e misturá-la com ovo antes que o paladar o aconselhasse a deixá-la pura.
Confiando que algum dia se torne um condimento como o sal, os chefs que se aventuram em cozinhar com farinha de coca ainda exploram receitas com o seu gosto amargo. Há quem a adicione a molhos, cocktails ou em misturas no Reto Coca (Desafio Coca), uma iniciativa que desde 2019 reúne cozinheiros eminentes em torno da planta que indígenas colhem com permissão em Lerma, município do sudoeste da Colômbia, castigado pela violência.
As receitas, compiladas no site retococa.org, são a exceção de um problema que a Colômbia enfrenta pela explosão dos narcocultivos.
Coca: tabu e violência
Segundo a última contagem da ONU, a Colômbia tem 142 mil hectares plantados com coca. Pazos nasceu em Popayán, cidade próxima a Lerma. Na adolescência, enquanto viajava a família, viu veículos incendiados pela extinta guerrilha das Farc, que extorquia civis nas estradas.
15101230
Que o diga Jeferson García, de um restaurante sofisticado de Bogotá, que introduz um doce cremoso à base de coca em pó num saco para confeitar. Em seguida, cobre um biscoito de coco ralado, misturado com uma semente amazónica e rapadura. Com receitas como esta, pretende "tirar esse tabu" da coca. "Todos sabemos que a Colômbia é denominada o país que mais exporta" cocaína, mas a folha "é uma planta (...) que os nossos ancestrais utilizavam", afirmou García.
Já Yulián Téllez remexe numa panela colágeno bovino com rapadura até produzir a gelatina de pata, um doce típico dos Llanos Orientales (Planícies Orientais), onde cresceu a ver de perto o conflito entre guerrilhas e paramilitares, com a população civil pelo meio. O cozinheiro adiciona coca à mistura pegajosa e cobre com toucinho, enquanto lembra as noites na sua aldeia, Guamal. Tinha de "dormir debaixo de uma sala de jantar com colchões" porque a família morava "perto da esquadra da polícia" que os guerrilheiros atacavam com granadas.
Para Pazos, levar a coca para o forno e o fogão dá aos cultivadores um caminho longe da ilegalidade. O que o chef quer é que se chegue ao ponto em que se diga: "Pronto, cultivem a coca, mas porque vários cozinheiros em diferentes cidades estão a trabalhar com ela e a inseri-la nos seus menus".
A farinha de coca, rica em ferro, fósforo e cálcio, é vendida em mercados de Bogotá e na Internet.