Após quatro meses da chegada da Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MMAS) da ONU ao Haiti, os gangues estão a adaptar-se às novas forças de segurança no país, que vive uma verdadeira catástrofe humanitária, segundo organizações internacionais.
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Segundo um relatório dos especialistas mandatados pelo Conselho de Segurança da ONU para o Haiti divulgado no final de outubro, os poderosos gangues criminosos adaptaram as suas táticas após a chegada da MMAS em 25 de junho - liderada pelo Quénia e que tem enviado gradualmente tropas para o terreno, contando com pouco mais de 400 militares para auxiliar a policia haitiana no combate aos criminosos.
Para proteger o seu território, de acordo com o mesmo documento da ONU, os gangues cavam trincheiras e erguem barricadas, utilizam batedores e drones para rastrear os movimentos da polícia, preparam cocktails molotov e armazenam armas e munições que filmam para intimidar as autoridades.
As autoridades locais e organizações internacionais afirmam que cerca de 80% de Port-au-Prince, capital do Haiti - o país mais pobre do continente americano e 158.º entre 193 países no índice de desenvolvimento humano (IDH/ONU) - está dominada pelos grupos criminosos.
Com a chegada da MMAS, segundo a organização Crisis Group, a maioria dos gangues recuou para seus redutos em Porto Príncipe, permitindo que as forças de segurança haitianas e a missão da ONU reforçassem as patrulhas em áreas que antes estavam inacessíveis.
Recentemente, referiu o Crisis Group, os gangues aumentaram os seus ataques. A 3 de outubro, membros de gangues massacraram 115 pessoas em Pont-Sondé, uma pequena cidade no vale de Artibonite, a nordeste da capital, em retaliação pela recusa dos moradores em aceitarem a extorsão.
As disputas dentro da administração de transição criada em abril - particularmente entre o Conselho Presidencial de Transição de nove membros e o primeiro-ministro haitiano, Garry Conille - levam os observadores a temer que o Governo possa entrar em colapso, segundo o Crisis Group.
No início de julho de 2021, um grupo de pessoas armadas invadiu a residência oficial do Presidente haitiano Jovenel Moise e assassinou-o. Pouco tempo depois, ainda em 2021, Ariel Henry assumiu o cargo de primeiro-ministro do país.
Determinados a "inviabilizar a transição política" iniciada após a demissão sob a pressão do primeiro-ministro Ariel Henry, em março de 2024, certos membros de gangues também deixaram Porto Príncipe para criar "zonas de recurso" e expandir o seu território, sublinharam os especialistas da ONU.
População usada como "escudo humano"
Segundo as Nações Unidas, desde o início do ano, muitos gangues têm também usado "a população como escudo humano", aumentando o risco de vítimas civis, em antecipação de operações contra os gangues, dizem os especialistas. Os gangues lançaram também uma campanha ativa de recrutamento para chegar a cerca de 5.500 pessoas, visando em particular crianças que, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), representam agora até 50% dos membros destes gangues criminosos.
Apesar do endurecimento do embargo de armas por parte do Conselho de Segurança, o tráfico não está a enfraquecer, particularmente em relação ao armamento de grande calibre, indicou a ONU. De acordo com os especialistas, a aliança de gangues "Viv Ansanm" [que vivem juntos] "ainda se mantém forte", seis meses após a sua formação pela junção das coligações rivais G9 e G-Pèp em fevereiro para expulsar Ariel Henry do poder.
O porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric, declarou, no final de outubro, que o Escritório Integrado das Nações Unidas no Haiti (BINUH) informou que entre julho e setembro, "mais de 1200 pessoas morreram e mais de 500 ficaram feridas pela violência dos gangues, como bem como na luta contra os mesmos".
Durante o mesmo período, a Missão documentou ainda 170 raptos para resgate", denunciou Dujarric.
De acordo com o Crisis Group, nos últimos três anos, os gangues foram responsáveis pela morte de mais de 10 mil pessoas e pelo deslocamento forçado de outras 700 mil.
Segundo a ONU, a atual crise política, social, humanitária e de segurança no país levaram cerca de 5,4 milhões de haitianos, quase a metade da população do país, para uma situação de fome aguda. Existem, além disso, 270 mil crianças que sofrem de subnutrição aguda em todo o país.
Em 21 de outubro, Leslie Voltaire, atual chefe do Conselho Presidencial de Transição do Haiti, solicitou formalmente que a missão de segurança internacional atualmente no país fosse convertida em uma operação de manutenção da paz da ONU de pleno direito.
De acordo com o Crisis Group, existe uma pressão - incluindo dos Estados Unidos - para o retorno das forças de paz da ONU ao Haiti apenas cinco anos depois de terem partido,
No entanto, a atual missão já sofre com um défice de financiamento e as tropas estão mal equipadas, entre outros problemas. Uma operação de manutenção da paz da ONU não enfrentaria os mesmos défices de financiamento e a falta de tropas que decorrem da dependência da missão atual de contribuições voluntárias.
Já o Conselho Eleitoral Provisório (CEP) do Haiti começou a trabalhar em outubro e tem como objetivo organizar eleições no país no final de novembro de 2025. O último representante eleito foi o Presidente Jovenal Moise, em 2017.