Os líderes do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e da coligação Unidas Podemos (UP) conseguiram em 24 horas o que falharam em meses de negociações e azedumes - uma solução de governo, que poderá ser o mais à esquerda desde a Frente Popular, de 1936.
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Pedro Sánchez e Pablo Iglesias estavam tão efusivos que se fundiram num abraço que surpreendeu os jornalistas que testemunharam o ato, inédito, de assinatura de um "pré-acordo para a formação de um governo progressista de coligação", mas cuja investidura não depende só dos dois.
Recorde-se que PSOE e UP somam 155 deputados, bem abaixo dos 176 da maioria absoluta exigida para que Sánchez passe na primeira votação de investidura, na segunda metade de dezembro, e mesmo insuficientes para ser aceite por maioria simples (mais votos a favor do que contra).
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Tudo indica que a recente formação de Esquerda Mais País (três eleitos) e as regionalistas Partido Nacionalista Basco (sete), Coligação Canária (dois), Partido Regionalista da Cantábria (um) e Teruel Existe!, de Aragão (um) lhe permita alcançar um total de 169 votos. Mas Sánchez só poderá ser investido se o Ciudadanos (Cs), com dez, ou a Esquerda Republicana Catalã (ERC), com 13, se abstiverem.
"Acordo nefasto"
A líder provisória do Cs, Inés Arrimadas, avisou estar fora de hipótese viabilizar um governo assente num "acordo nefasto" e pediu mesmo a Sánchez que corrija o tiro, juntando ao PSOE o Partido Popular (PP) e o seu partido, para "chegar a um modelo moderado e constitucionalista", numa alusão ao "risco" de valorização do fator Catalunha.
Esse fator ocupa um ponto significativo dos dez que correspondem aos "eixos" do programa de governo, no qual o líder da UP será vice-primeiro-ministro, segundo o pacto entre Sánchez e Iglesias celebrado ontem.
"Parlament" desafia
Começa assim: "Garantir a convivência na Catalunha: o Governo de Espanha terá como prioridade garantir a convivência na Catalunha e a normalização da vida política" e "fomentará o diálogo na Catalunha, procurando fórmulas de entendimento e encontro, sempre dentro da Constituição".
"É um mau início", reagiu a ERC, o maior partido independentista catalão. A questão, sinalizou a sua porta-voz, Marta Vilalta, não é de convivência no interior da Catalunha, mas entre a Catalunha e o Estado espanhol, o que exige uma "mesa de diálogo".
Parêntesis a propósito: ontem de manhã, o Parlamento da Catalunha aprovou uma nova resolução expressando a vontade de "exercer de forma concreta e direta o direito à autodeterminação e de respeitar a vontade do povo catalão".
É certo que desobedeceu ao Tribunal Constitucional espanhol e que a procuradora-geral mandou abrir um inquérito. Mas, vincaram os deputados independentistas, "ninguém" pode impedir o "Parlament" de "discutir o que entender".
Voltemos à posição da ERC: "Agora, a nossa resposta é um não. A nossa proposta é muito clara: exigimos o reconhecimento (da existência) de um conflito político", declarou Vilalta, entreabrindo a porta à abstenção. "Se querem algo de nós, têm de sentar-se e falar; se não, não há nada a fazer".
Trata-se de uma condição que a formação independentista basca EH-Bildu (cinco deputados) subscreve para ajudar a viabilizar a investidura, enquanto o PNV sobe a fasquia e propõe o reagrupamento das forças que, no ano passado, votaram a moção de censura a Mariano Rajoy, incluindo assim o segundo partido soberanista catalão - Juntos pela Catalunha (JxCat).
Independentista pode ser eurodeputado
Oriol Junqueras, ex-vice-presidente da Catalunha
O advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que o ex-vice-presidente da Generalitat Oriol Junqueras deve ser reconhecido como eurodeputado, pois o seu lugar depende exclusivamente do voto dos eleitores e não de nenhuma validação, gozando da imunidade parlamentar. Face à sua condenação, em 14 de outubro, o Parlamento Europeu deveria ter podido pronunciar-se para mantê-la ou suspendê-la.