Frente ao Parlamento grego, poucos milhares de pessoas voltaram a insurgir-se, este sábado, contra o novo acordo com a troika, entre vendedores que anunciavam espetadas de porco, café ou água e polícias que se posicionavam para mais um dia de protestos em Atenas.
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Ao contrário de sexta-feira, e apesar do forte aparato policial, presente em permanência no centro da capital grega, não ocorreram incidentes.
A frequência das manifestações, quase diárias, impôs uma espécie de "jogo" entre os dois grupos antagónicos, que parecem já descodificar os truques do outro, e parecem actuar por antecipação.
Mas existem sempre situações imprevisíveis, geralmente fomentadas pelos aqui designados "conhecidos desconhecidos", grupos de jovens que irrompem pelos protestos, atacam a polícia e mesmo manifestantes com pedras e cocktails molotov, motivam o contra-ataque e desaparecem rapidamente.
"A dispersão das manifestações é um comportamento padrão da polícia grega. Na sexta-feira não havia muita gente e iniciaram o seu jogo às 13.30 horas para não se pagarem horas extraordinárias às forças policiais e terminar com tudo pelas três da tarde", diz Alexandrus, 47 anos, que este sábado se juntou a perto de 4000 pessoas que no segundo dia de greve geral confluíram ao Parlamento de Atenas.
À semelhança do protesto da véspera, a manifestação foi promovida pelas mesmas organizações da esquerda extra-parlamentar, com pouca capacidade de mobilização mas elevado e ruidoso espírito militante.
"Aqui estão muitas pessoas da minha idade, entre os 45 e os 50 anos, mas estou convencido que alguns dos que estão aqui, sobretudo mais jovens, estão a mando da polícia secreta e são eles que provocam sempre os confrontos, com pedras, 'cocktails molotov'?", sugere.
A concentração antecede a grande manifestação convocada para a tarde de domingo pelos principais sindicatos e todos os partidos da esquerda - incluindo o Partido Comunista e o Syriza, ambos com representação parlamentar -, quando deputados dos dois maiores partidos que apoiam o fragilizado "governo de coligação" de Lucas Papademos (PASOK e Nova Democracia) se preparam para aprovar o segundo "acordo doloroso" com a troika internacional, acompanhado por novas e draconianas medidas de austeridade.
Alexandrus decidiu comparecer, este sábado, nesta manifestação "marginal" em nome do "futuro dos filhos". No domingo, "ao fim da tarde é que vamos estar todos aqui!",
Pai de dois rapazes com 14 e 12 anos, Alexandrus está desempregado desde o mês passado, uma situação que nunca conheceu.
"Sou engenheiro topógrafo, trabalhei na construção do metro de Atenas, um bom trabalho, um bom salário, mas fui despedido. Agora, estou a pensar obter um emprego fora do país. Não gosto, mas posso ser forçado a fazê-lo", admite, num tom que não denuncia resignação, ao lado da mulher e um casal amigo.
Um protesto onde se misturam várias gerações, várias classes sociais, várias mentalidades, variados motivos, como o de uma senhora idosa e com um fino casaco de peles que justifica a sua presença neste protesto dos "partidos marginais" porque se "preparam para aprovar um acordo sem nos consultarem".
Alexandrus, subitamente e à semelhança de muitos milhões de gregos, foi atingido pela brutal crise num país que até há dois anos registava uma qualidade de vida quase semelhante à prosperidade do centro da Europa.
"A Grécia está no meio de um negócio, os principais partidos políticos estão a tentar vender o país e comprar o seu bilhete de saída. Penso que é isso", arrisca, após um momento de reflexão.
Aos 47 anos, o engenheiro topógrafo sabe que será muito difícil garantir um novo trabalho, e bem remunerado, no seu país. Pensa nos seus filhos e assalta-o o receio. E a revolta.
Os últimos dados oficiais apontam para uma taxa de desemprego de 20,9% em Novembro de 2011, mês em que se registou uma média de 4000 despedimentos diários.
Na Grécia, pela primeira vez, foi ultrapassada a barreira de um milhão de pessoas sem trabalho (1.030.000), número que revela um aumento de quase 50% em comparação com Novembro de 2010.
Os mais afectados são os jovens, com uma taxa de desemprego de 48% no grupo etário dos 18 aos 24 anos, de 27,8% na faixa entre os 25 e os 34 anos, e 17,8% no grupo entre os 35 e os 54 anos.
Alexandrus conhece agora esta realidade. E aos 47 anos, vai provavelmente ter de abandonar o seu país. Contrariado, mas sobretudo em nome do futuro dos seus filhos.
Uma segunda manifestação foi convocada pelos partidos de esquerda para, este sábado, pelas 17 horas locais (15 horas em Lisboa) junto ao parlamento grego, também em antecipação à grande manifestação de domingo.