As intervenções na Ucrânia, onde nasceu em 2014, deram visibilidade pública ao Grupo Wagner, uma organização paramilitar "amiga" de Moscovo. Apesar dos custos, em vidas e materiais, os mercenários do homem conhecido como "chefe de Putin" não recuam nas intenções expansionistas em África, a mina de ouro (diamantes, urânio, etc.) destes mercenários ligados ao Kremlin.
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O Grupo Wagner entrou em ação pela primeira vez em 2014, na incursão russa na Ucrânia, que terminou com a anexação da Crimeia. Liderado por Dmitry Utkin, um antigo comandante das Forças Especiais russas, foi buscar o nome ao compositor alemão Richard Wagner, o favorito de Adolf Hitler, e cujas ideologias nazis medram entre os mercenários russos.
Liderado por Yevgeny Prigozhin desde 2017, o Grupo Wagner (GW) alargou os interesses a África, em consonância com os desejos do presidente russo Vladimir Putin. Está presente, atualmente, em cerca de 12 países africanos, como parte do esforço russo de extensão de poder do Kremlin e de extração de recursos valiosos, mais importantes agora que é preciso alimentar a máquina de guerra que queima a Ucrânia.
Em 2021, segundo dados do jornal francês "Le Monde", o GW tinha cerca de nove mil mercenários. Números que subiram para aproximadamente 50 mil, só na Ucrânia, entre os quais 40 mil ex-condenados, recrutados das prisões russas. O arsenal do Wagner inclui tanques, helicópteros e aviões de combate. O grupo privado atua à margem de qualquer quadro legal, e com base numa relação estreita entre Prigozhin e Putin.
A mobilização dos mercenários de Prigozhin, conhecido como "o chefe de Putin", é um negócio: a troco da segurança de regimes cleptocratas, recebem bens valiosos, como ouro, diamantes e até urânio. "O modelo de negócio Wagner assenta no apoio estatal direto e na predação de recursos. Esta estratégia, em África, permite custear as operações na Europa", observou uma fonte militar francesa, em declarações ao jornal francês "Le Monde".
"Assim que os recursos e minerais desaparecerem, os russos vão retirar-se, deixando para trás uma região volátil que se pode desenvolver num santuário para grupos jiadistas", escreve Colin P. Clarke, diretor de investigação do "Soufan Group", uma consultora de segurança e investigação com sede em Nova Iorque, nos EUA, citado pela revista "Foreing Policy" (FP). "É improvável que Moscovo olhe para o envolvimento em África como uma opção de segurança a longo prazo. Diplomatas russos têm interferido e baralhado as políticas dos países onde o Wagner está presente", acrescenta.
"A Rússia desestabiliza África porque isso a ajuda a gerir conflitos na Europa. A mobilização de votos de países africanos contribuiu para não ser condenada na ONU. Há um jogo de estratégia entre os dois continentes", acrescentou, ao "Le Monde", uma fonte militar francesa. "É um jogo de poder da Rússia", argumenta Pauline Bax, vice-diretora do grupo "Crises" para África. "Através do Wagner, Putin quer ver até onde consegue espalhar a influência em África. Acho que os resultados surpreenderam muitas pessoas", acrescentou aquela analista, em declarações ao jornal norte-americano "The New York Times" (NYT).
Segundo analistas, a expansão do GW faz parte de um desejo mais alargado de Putin de restabelecer a Rússia como uma grande potência, fazendo frente à China, Estados Unidos, Turquia e Emirados Árabes Unidos e outros países que reforçam posições em África, à medida que a influência dos colonizadores europeus se desvanece.
O Ocidente reconhece a ameaça. A 26 de janeiro, o Departamento de Tesouro (DT) norte-americano impôs sanções a seis pessoas e 12 instituições ligadas ao GW. "Trata-se de uma organização criminosa transnacional que implemente a política do Kremlin", justificou. "O Grupo Wagner está envolvido num padrão contínuo de atividades criminosas graves, incluindo execuções em massa, violações, rapto de crianças e agressões", acrescenta o DT.
O Wagner está implicado em desaparecimentos forçados, raptos, mortes extrajudiciais, atrocidades em massa, tortura, execuções sumárias entre outros crimes. Os abusos recorrentes podem contribuir para desconfianças entre a população, fertilizando o solo de recrutamento para grupos terroristas ligados à al-Qaeda e ao Estado Islâmico, escreve a revista "Foreing Policy". De acordo com o índice de Terrorismo Global, de 2022, 48% de todas as mortes causadas pelo terrorismo a nível mundial ocorreram na África subsariana, com três países a figurar no top-10 daqueles em que mais aumentou: Burkina-Faso, Mali e Níger, três dos países do chamado Sahel.
James Kariuki, vice-embaixador britânico nas Nações Unidas, alertou, perante o Conselho de Segurança da ONU, para "o papel desestabilizador do grupo Wagner" no Sahel, uma via aberta ao terrorismo que se espalha no oeste e no centro-norte de África, do Senegal ao Sudão, passando pela República Centro Africana e o Mali.
Em 2013, as Nações Unidas criaram a Minusma, uma força multidimensional com o objetivo de pacificar a turbulenta região do Sahel, onde os combates armados custaram a vida a milhares de pessoas. França, Reino Unido e Alemanha terminaram os três anos de mandato naquela força da ONU e deixaram a missão, agastados por desentendimentos com as autoridades transnacionais e pelo acordo do governo de Bangui com o Grupo Wagner.
A presença dos homens de Prigozhin no Mali "é do conhecimento de todos e até reconhecida pelas autoridades russas", comentou Nathalie Broadhurst, perante o Conselho de Segurança da ONU. "Esta presença resulta em atos de violência contra civis malianos e também no aumento dos obstáculos ao trabalho da Minusma. Isto não é aceitável", acrescentou a diplomata francesa, citada pelo jornal "New York Times". O embaixador russo nas Nações Unidas, Vasily Nebenzia, tem uma forma única de olhar para a questão e acusa o Conselho de Segurança de criar um vazio com a "saída apressada" das tropas francesas e europeias do Mali.
"Ao ceder terreno ao Wagner, o Ocidente está a abrir a porta a Moscovo para consolidar a influência na região, enquanto torna a zona mais perigosa", alerta Colin P. Clarke. "O resultado de mais atividades na África subsariana será o alastrar da violência para países vizinhos, como o Togo, Benin, Senegal e Costa do Marfim", acrescentou.
Na República Centro Africana (RCA), o grupo Wagner tem cerca de mil elementos, desde 2018. Apoiam as forças leais ao presidente Faustin-Archange Touadéra na defesa aos ataques dos rebeldes à capital Bangui. Nas últimas semanas, segundo o jornal britânico "The Guardian" o GW susteve pesadas baixas numa região perto da fronteira com o Chade e os Camarões. No fim de semana, a violência escalou também junto da fronteira com o Senegal.
"O Grupo move-se para zona de fronteira devido à mudança das dinâmicas do conflito, porque as fações rivais se uniram para fazer frente a um inimigo comum e defender as receitas das minas", observou Enrica Picco, diretora do grupo "Crises" para a República Centro Africana. Especialistas dizem que é difícil aferir números concretos, mas acreditam que o Wagner está a sofrer baixas significativas em África, nomeadamente na RCA.
"Perdemos dois e tivemos alguns feridos, mas derrotamos o inimigo e confiscamos alguns veículos militares", disse Ahmadou Ali, identificado como um dos responsáveis da Coligação de Patriotas para a Mudança (CPC), em conversa telefónica com o jornal "The Guardian", a partir da RCA.
"Foi uma batalha apenas entre nós e os russos", disse Ali, sublinhando que não houve forças leais ao presidente envolvidas. "Eles só usam as tropas governamentais para ter legitimidade. Os russos tomaram conta do país, estão em todo o lado. Controlam as fronteiras e estão em todos os locais onde há valor. Roubam os nossos recursos", acrescentou o dirigente da Coligação de Patriotas, que junta, desde 2020, vários grupos rebeldes da RCA, unidos pelo combate ao inimigo comum.
"Wagner não controla totalmente as minas e ainda enfrenta resistência armada em muitos locais de mineração", referiu Enrica Picco. "O Governo de Bangui está a ficar sem dinheiro", acrescentou a analista. "O país está um caos. As pessoas morrem de fome, não há água potável, não há eletricidade", alertou Marie-Reine Hassen, antiga diplomata e política na oposição. Desde que chegou à RCA, o Wagner tentou controlar o fluxo de ouro e diamantes, como parte de uma ofensiva mais alargada para controlar recursos. Analistas acreditam que lhes foi prometido ouro e outros recursos minerais como parte do pagamento pelos "serviços".
Um estudo da Organização Não-Governamental "Armed Conflict Location and Event Data Project" concluiu que os civis foram visados em mais de metade dos casos de violência política em que se envolveu o Wagner na RCA. Número que sobe para 71% no Mali, onde os mercenários russos se instalaram em 2021. "Em ambos os casos isto excede a taxa de civis visados por ataques de forças aliadas aos governos, assim como por grupos radicais a operar em cada um dos contextos", afirma aquela ONG.
A Human Rights Watch, num relatório em maio, disse que as forças na RCA identificaram elementos do Wagner como autores de espancamentos, tortura e assassínios de civis, desde 2019. Sustentam que as forças russas na RCA não usam uniforme ou insígnias oficiais ou outra qualquer forma de distinção.
O GW, a vanguarda da expansão das ambições russas em África, combina a força militar com interesses estratégicos (do Kremlin) e uma visão comercial. Operando sob camadas de várias empresas, mistura-se na política, promove regimes autocratas e orquestra campanhas de propaganda e fornece comida a pobres. Ao estilo do que já fez o Estado Islâmico, produziu filmes de ação, para glorificar os mercenários russos, e até organizou um concurso de beleza na RCA. A campanha da normalização.